Textos extraídos da peça teatral “Grandes Pensadores”
Por Karoline Rodrigues de Melo
HERÁCLITO
DE ÉFESO – Ἡράκλειτος
Monólogo de Heráclito:
— Bom dia! Eu me chamo Heráclito.
Nasci em Éfeso, cidade da Jônia, atual Turquia. Alguns de meus contemporâneos
me consideravam um homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo
pelos outros.
Na verdade, minha origem é de uma
família fundadora da cidade, considerada ilustre. No entanto, nunca tive boas
relações com meus concidadãos. Apesar de ser de família importante, nunca me
importei com o poder, aliás, nutri um profundo desprezo aos bens materiais.
Nunca dei importância à política,
aos poetas gregos e à religião de meu tempo.
Vivi boa parte de minha vida isolado
em um templo de Ártemis. Nos últimos anos da minha vida, passei a viver ainda
mais isolado, nas montanhas, alimentando-me somente de plantas.
Assim como os pensadores de Mileto,
em minha constante sede de conhecer, observei que a realidade é dinâmica e que
a vida está em constante transformação. Mas, ao contrário dos primeiros
pensadores – que buscavam na mudança aquilo que permanece –, decidi concentrar
a minha reflexão no que muda.
O ser não é e o não-ser é! Essa é a
minha conclusão sobre a origem de tudo! Não entenderam o meu pensamento?
Deixe-me reformular: Tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo! Ou melhor,
o ser não é mais do que o vir a ser.
Ocorre meus ilustres, que não se
pode percorrer duas vezes o mesmo rio, assim como não se pode tocar duas vezes
uma substância mortal no mesmo estado. Ninguém
pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente,
não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é
regido pela tensão e o revezamento dos opostos.
Tudo o que percebemos como imutável
é uma ilusão. A vida é uma constante
transformação. Tudo muda o tempo
inteiro. Eu pareço estar parado aqui nesse palco, mas no meu corpo há
movimento, meu sangue, minhas células estão em movimento. Assim como o próprio
chão. Isso, o chão! Ele também é constituído de átomos que estão em movimento,
apesar de não percebermos a olho nu. Sem contar que, tanto eu, quanto esse chão
estamos no planeta Terra que gira em torno de si próprio e em torno do Sol.
Em meu tempo não havia teorias como
a de físicos atuais que defendem que o Big Bang, a grande explosão, não foi o
marco zero do universo, e sim uma etapa de um eterno ciclo de contração e
expansão do Cosmo, que nunca teve início.
Eu mesmo não tinha a menor ideia do
que era o Big Bang, mas já defendia que o universo sempre existiu e nunca vai
acabar! Essa mudança contínua chamamos de devir
– que significa transformação, fluxo constante que está presente em tudo no universo.
Esta mudança nasce do conflito dos contrários.
A vida e a morte, o acordar e o
dormir, a juventude e a velhice, o bem e o mal fazem parte de um mesmo jogo, o jogo de contrários. O frio se torna
quente, a noite se torna dia, o novo se torna velho, a mesma ladeira que sobe,
é a mesma que desce. Mas a luta dos opostos não produz o caos, ela determina a
harmonia do universo.
Trazendo o meu pensamento para o
tempo de vocês, eu poderia ser compreendido assim: todas as coisas e criaturas
da natureza trazem em si o seu contrário. Ao mesmo tempo a semente da criação e
da destruição. O código genético de cada célula traz a informação que permite
que ela cresça, se desenvolva, mas também já está lá, em potencial a sua
própria morte.
O ser humano muda o tempo inteiro,
mas nem por isso deixa de ser humano. O bebê nasce, cresce, se torna adulto,
têm seus filhos, envelhece, morre. A vida permanece, continua o seu fluxo.
Heráclito afirmava que a própria identidade das coisas está na mudança
constante, na variação e no movimento
incessante. “Não podemos entrar em um rio duas vezes pois, na segunda vez já
não são as mesmas águas. Já não é o mesmo rio”, afirmava. Vimos que, para ele,
nada existe no mundo que possa escapar à mudança.
Ele afirma que o princípio de tudo, o elemento
fundamental é o fogo. É preciso
notar que a indicação do fogo como princípio de todas as coisas não coloca
Heráclito na mesma condição que os filósofos de Mileto. O fogo mencionado por
Heráclito não se iguala à água de Tales ou ao ar de Anaxímenes.
Quando Heráclito indica o fogo como
elemento primordial, está muito mais próximo de uma linguagem simbólica do que
apontando para um fundamento concreto, uma arché. É necessário perceber que o
fogo só existe pela constante mudança de coisas em cinzas e fumaça. Aniquilada
esta mudança, não existe mais o fogo. Assim ele vê toda a realidade como que
alimentada de mudança o tempo todo.
A natureza é a vida dos contrários.
É a luta dos contrários. Tudo flui (πάντα ῥεῖ). // “A quem desce no mesmo rio sobrevêm águas
sempre novas” (frag. 12). “Nos mesmos rios entramos, nós mesmos somos e não
somos” (frag. 49a).
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