Profª de Filosofia e Sociologia da Rede Estadual de Goiás desde 2010.
"Quem educa com carinho e seriedade, educa para sempre".
Comece onde você está. Use o que você tem. Faça o que puder.
 

[3ª Série]: O trabalho e suas contradições

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 Trabalho, Realização e consumo

O trabalho sempre fez parte da vida dos seres humanos. Foi através dele que as civilizações conseguiram se desenvolver e alcançar o nível atual. O trabalho é qualquer atividade física ou intelectual, realizada pelo ser humano, cujo objetivo é fazer, transformar ou obter algo para realização pessoal e desenvolvimento econômico.

Nas linhas abaixo teremos uma breve reflexão sobre:
    Trabalho
    O Trabalho na antiguidade
    O Trabalho na economia de mercado
    Mercado Consumidor e Realização
    Felicidade maquiada - Consumismo

Trabalho

História do trabalho

O que é trabalho?
O conceito de trabalho é formado por elemento teológico que teve influência no ocidente greco-romano-helenista chegando até os nossos dias. Como mostra o Livro do Gênesis (3, 17); depois de pecar o homem foi amaldiçoado, ficando condenado a extrair seu sustento do suor, do cansaço, do labor de seu trabalho: “comederes maledicta terra in opere tuo in laboribus comedes eam cunctis diebus vitae tuae”.

A concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho com o “suor do seu rosto”. A Eva coube também o “trabalho” do parto.

O termo trabalho é originário do latim tripalium, que designa instrumento de tortura. Por extensão, significa aquilo que fatiga ou provoca dor.  Na etimologia da palavra trabalho, ou tripalium), do Latim , um instrumento romano de tortura, espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram supliciados os escravos. " tri" (três) e " palus" (pau) - literalmente, "três paus". Daí o verbo tripaliare (ou trepaliare), que significava, inicialmente, torturar alguém no tripalium.

Será que trabalhar é uma condição essencial ao homem? Ou o homem só trabalha por necessidade e pela ameaça de extinção se não trabalhar?

O Trabalho na antiguidade

Dizia Aristóteles, sobre o trabalho: “Todos aqueles que nada tem de melhor para nos oferecer que o uso de seu corpo e dos seus membros são condenados pela natureza à escravidão. É melhor para eles servir que serem abandonados a si próprios. Numa Palavra, é naturalmente escravo quem tem tão pouca alma e tão poucos meios que deve resolver-se a depender de outrem […] O uso dos escravos e dos animais é aproximadamente o mesmo.”(RIBEIRO, L. p.196).

Na cultura grega, cabiam aos cidadãos a organização e o comando da polis. As funções dos escravos eram restritas à atividades inferior de transformação da natureza em um bem determinado pelas camadas superiores.

Em Roma, permaneceu a divisão entre a arte de governar e o trabalho braçal. Sendo o império fundado na escravidão, o trabalho braçal era visto como degradante e destinados aos povos dominados, tidos como seres inferiores.

O Trabalho na economia de mercado

No capitalismo o trabalho se transforma em valor de troca onde o homem vende sua força de trabalho para realizar a reprodução social – consumir e produzir. É um trabalho alienado onde o trabalhador não se reconhece naquilo que produz, não domina todo o processo de produção. O trabalhador não é o dono dos meios de produção e de trabalho, estes pertencem ao capitalista, que baseia-se no lucro e na mais-valia, ou seja, no excedente do trabalho humano, que não é repassado ao trabalhador.
Ocorreu a separação entre o trabalhador e a propriedade dos meios de produção. Desse modo podemos afirmar que a essência do sistema capitalista encontra-se na separação entre o capital e o trabalho.

No século XVII, Pascal inventa a primeira máquina de calcular; Torricelli constrói o barômetro; aparece o tear mecânico. A máquina exerce tal fascínio sobre a mentalidade do homem moderno que Descartes explica o comportamento dos animais como se fossem máquinas, e vale-se do mecanismo do relógio para explicar o modelo característico do universo (Deus seria o grande relojoeiro!).

Para Kant, o homem é o único animal voltado ao trabalho. É necessária muita preparação para conseguir desfrutar do que é necessário à sua conservação. Mesmo que todas as condições existissem para que não houvesse necessidade do homem trabalhar, este precisa de ocupações, ainda que lhe sejam penosas. A ociosidade pode ser ainda um maior tormento para os homens.

Michel Foucault tem outra perspectiva: em todos os momentos da história, a humanidade só trabalha perante a ameaça de morte, qualquer população que não encontre novos recursos está voltada à extinção e, inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais difíceis e menos fecundos. O trabalho deve crescer de intensidade quanto maior for a ameaça de morte e, por todos os meios, terá de se tornar mais rentável, quanto menos acesso as subsistências existirem.

Para Marx, o trabalho é o prolongamento da atividade natural do homem, mais tarde conclui que a força de trabalho é uma mercadoria e que, para viver, o proletário vende ao capital.

Segundo Marx, o trabalho denuncia uma exploração econômica e uma situação em que o homem não se revê no seu trabalho mecanizado e repetitivo, ou seja, não obtém a realização profissional que deveria obter, referindo-se a uma essência do homem que seria suposto o trabalho completar.

Mercado Consumidor e Realização

É possível alcançar a realização na sociedade consumindo?
Aristóteles afirmava que tudo o que o homem precisava para ter uma vida cômoda já havia sido descoberto. Encontrava-se materialmente realizado e só lhe restava dedicar-se à elevação do espírito.
É comum ouvirmos que a realização significa “vencer na vida”. E esse “vencer” é basicamente acumular bens materiais e ostentar poder, ou seja, só é “vencedor” aquele que possui bens materiais de ultima moda e que frequentam lugares badalados. Assim, na economia de mercado o trabalhador só se realiza consumindo.


A sociedade de consumo se caracteriza por ser organizada predominantemente pelas relações de consumo e valores associados, condicionando a produção de bens e serviços. O consumidor, tem como ideal de vida preponderante sua potência de consumo, e se realiza consumindo. O sucesso social e a felicidade pessoal são identificados pelo nível de consumo que o indivíduo tem. O “somos o que temos” é elevado à condição de ideal social: Se não temos, não somos. O potencial de consumo determina o grau de inclusão ou de exclusão social, de felicidade ou de infelicidade. A sociedade do espetáculo (Debord, 1997), que decorre desse equacionamento, faz da manipulação da aparência o trampolim social para o ter: o excluído sonha com ser celebridade, e quem já é não vive sem ser, para não perder o status. É a realização convicta do somos o que consumimos. Subverte-se a equação shakespeariana – “ser ou não ser”, transformando a questão existencial vital em ter ou não ser, isto é, consumir ou não ser, associado a um jogo de espelhos de aparentar ser.

Antigamente o objeto de comércio era o intermediário na relação entre seres humanos. O esquema da relação era pessoa-mercadoria-pessoa. Atualmente esse esquema foi pervertido para mercadoria-pessoa-mercadoria. Se chego à uma festa de Mercedes meu valor é superior ao de quem vai em carro popular. Isso vale para o terno que uso ou para o anel que trago no dedo. Note que é o produto, revestido de "magia", que me imprime valor, aumentando a minha cotação "no mercado das relações sociais". Se Descartes estivesse vivo hoje declararia: "Consumo, logo existo". Para os sacerdotes do mercado, fora do mercado não há salvação.

Este consumismo produz a barbárie, em quem as relações sociais se transformam em um ringue de boxe – vence o mais forte ou o mais esperto.
Para a maioria da população, a possibilidade de vencer de acordo com as regras do mercado consumidor é uma ilusão construída e incentivada pela sociedade de consumo, dita agora de globalizada.

Tanto para o pensador polonês Adam Schaff e para Aristóteles, o homem já conquistou tudo o que precisa para ser feliz. Mas, porém, a pergunta do poeta japonês Toshitsugu Yagi nos revela o outro lado da mesma moeda: “Será que os trabalhadores assalariados do Japão de hoje não vivem uma vida pior do que a dos escravos antigos?
Agora, então vamos aplicar esta pergunta ao Brasil, e vejamos a resposta do sociólogo Herbert de Souza:

“O Brasil tem uma indústria com duas caras – e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de trabalho. Sua classe media espreme-se entre a ideologia do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e respeita o poder de outro. Os senhores viraram empresários, mas continuam a viver em novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores, mas continuam morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre depois do serviço”. (ARANHA, p. 96)

Na sociedade moderna, o trabalho, da mesma forma que é realização, ele também nos rouba nossa liberdade e a nossa vontade própria. Confinados, nos transforma, alienando o indivíduo. “...ao mesmo tempo que o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem”. (Octavio Paz)

O conflito entre trabalho e realização dá-se ao fato do homem ter organizado a sociedade de tal modo que, para a maioria dos indivíduos, o trabalho que fazem não são projetos seus, como também não são seus os frutos dos esforços. Mas por que trabalho e realização perecem viver um eterno conflito? Se a realização do homem se encontra no trabalho, por que ele necessita ser educado para o trabalho? Por que é necessário convencê-lo muitas vezes até pela força a necessidade do trabalho?

Adam Smith, distingue o valor de uso do valor de troca. O primeiro designa a utilidade do produto ou a satisfação que se encontra no seu consumo ou na sua utilização. O segundo refere-se ao destino comercial da mercadoria enquanto destinada a ser trocada num mercado. É o valor de troca que dita o preço das mercadorias. Numa perspectiva marxista, o trabalho tem sempre um valor inferior àquele pelo qual é remunerado.

Consumismo: felicidade maquiada

A Propaganda vende felicidade ou infelicidade?
Através de meios de comunicação como rádio, televisão, jornais, revistas, outdoors, internet, entre outros, a mídia tem realizado o seu trabalho de convencer as pessoas a consumir. Para isso utiliza-se de artistas famosos que incitam o público a comprar os produtos. O homem cresce vivenciando esse mundo manipulado pela mídia, e acreditando que a felicidade possa ser encontrada quando se adquire determinada marca de roupa, calçado, carro, jóia, celular, entre outros. Divulga-se a ideia da felicidade comprada. O papel da propaganda é nos deixar infelizes com que temos e criar o desejo de possuir o novo para ser feliz.

O indivíduo que cresce nesse ambiente consumista dificilmente aprende valores subjetivos que o edificam como ser pensante e emotivo. Decorre disso a dificuldade de se preencher o vazio interior, o que é buscado no consumo de bens concretos e superficiais. Tais bens são dispensáveis à felicidade? Difícil saber. Eles trazem a realização pessoal buscada pelo homem?

Jonh Locke, disse que, ao vivermos em sociedade, somos de certa forma obrigados a nos moldar a seus contornos. Vivemos em uma sociedade capitalista, uma sociedade em que o consumo desenfreado parece ser a cada dia mais comum, seguindo uma lógica como: "compro, logo existo". As pessoas perderam sua individualidade, são agora simplesmente consumidores.

Agora, na era da informática, esse consumo foi até facilitado, por meio da internet. No cotidiano, o consumismo é estimulado e vendido como felicidade. 

Assista o vídeo: O melhor que a vida deve ser.

 

Referências: SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Dia a dia educação. Curitiba: SEEDPR, 2021. Disponível em: http://www.sociologia.seed.pr.gov.br. Acesso em: 23 ago. 2022.


[2ª Série] Sociologia: Estratificação Social - As castas na sociedade indiana contemporânea

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Texto I: 

 O sistema de castas na sociedade indiana

A Índia é um país asiático que possui uma população de aproximadamente 1,1 bilhão de habitantes. Desse total, cerca de 75% são seguidores da religião hindu. A principal religião da Índia interfere diretamente na estruturação social, uma vez que o hinduísmo divide a sociedade em castas.


A divisão da sociedade em castas é determinada a partir da hereditariedade. As castas se definem de acordo com a posição social que determinadas famílias hindus ocupam. Fator que estabelece um tipo de “hierarquia” social marcada por privilégios e deveres.


Em um primeiro momento existiam somente quatro tipos de castas na Índia, que eram: os brâmanes (composta por sacerdotes), xatrias (formada por militares), vaixias (constituída por fazendeiros e comerciantes) e a mais baixa, os sudras (pessoas que deveriam servir as castas superiores).

As pessoas que não faziam parte de nenhuma das castas recebiam o nome de párias ou intocáveis. Pessoas excluídas que tinham a incumbência de realizar os mais deploráveis trabalhos, aqueles rejeitados por indivíduos que integrava alguma das castas.

Atualmente, existem cerca de 3 mil castas distintas na Índia. A proliferação do número de castas se deve, principalmente, pelo crescimento populacional e também pelo dinamismo e diversidade das atividades produtivas, promovidas pelo crescimento econômico que o país vem passando nos últimos anos.

Esse sistema tem como principal característica a segregação social, determinando a função das pessoas dentro da sociedade indiana.

Tal segregação resulta em desigualdade social, que é explicada pelo fato de um indivíduo não poder ascender para uma casta superior.

Segundo o governo indiano, o sistema de castas não existe mais no país. Apesar do governo não admitir, a verdade é que esse sistema está presente na sociedade, interferindo diretamente na qualidade de vida da população indiana.

Por Eduardo de Freitas - Graduado em Geografia
Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/o-sistema-castas-na-india.htm  

Texto II: 

Sistema de castas vigora há mais de dois mil anos na Índia e é baseado em uma condição hereditária, passada de pai para filho - Raveendran/AFP

 

Constituição da Índia completa 70 anos sem erradicar a violência do sistema de castas
 
A Constituição que aboliu formalmente a discriminação de castas na Índia completa 70 anos neste domingo (26), mas a violência contra integrantes de camadas consideradas inferiores persiste. O relatório mais recente da Anistia Internacional, publicado em 2018, afirma que são registrados mais de 100 crimes por dia no país com esta motivação.

O aniversário do texto constitucional, que marca o Dia da República na Índia, foi celebrado na capital Nova Delhi com um desfile militar. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) foi um dos convidados de honra da comemoração. 

Origens - O sistema de castas vigora há mais de dois mil anos na Índia e é baseado em uma condição hereditária, passada de pai para filho. O casamento entre castas diferentes é proibido e a sociedade é dividida a partir da crença de que cada indivíduo se origina de uma parte diferente do deus Brahma, que é o criador do Universo segundo o hinduísmo, religião majoritária na Índia.

Os brâmanes teriam nascido da cabeça de Brahma; os xátrias, dos braços; os vaixás, das pernas; os sudras, dos pés; e os dalits, “sem casta”, teriam se originado da poeira sob os pés do criador. Essa condição destinaria cada pessoa a exercer uma função na sociedade – os brâmanes seriam sacerdotes ou intelectuais, enquanto que os dalits trabalhariam com lixo ou esgoto, por exemplo. 

Avanços e limites - A Constituição de 1950 proibiu que os dalits fossem considerados impuros ou intocáveis pelos integrantes das demais castas, rompendo com uma tradição milenar de segregação. Ainda assim, são comuns os ataques de membros de castas superiores a dalits que tentam acessar templos e espaços públicos na Índia.
A economista Srujana Bodapati, coordenadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social em Nova Delhi, lembra que a Constituição foi escrita dois anos após a independência indiana e é produto do interesse de diferentes setores: industriais, proprietários de terras, comerciantes e trabalhadores.

“As aspirações de milhões de massas trabalhadoras, mobilizadas contra os britânicos durante a luta pela liberdade, não podiam ser ignoradas. Esse reconhecimento se materializa em vários aspectos progressistas da Constituição indiana. Por exemplo, direito universal ao voto, abolição legal da discriminação e intocabilidade de castas, certos direitos dos trabalhadores para formar sindicatos e protestar”, enumera. Por isso, o feriado do Dia da República é tão comemorado no país.

Bodapati pondera que a Constituição não questiona as relações econômicas e de propriedade, ainda que considere o socialismo como um princípio orientador. “Os últimos 70 anos foram de luta para tornar os direitos constitucionais efetivos. Por exemplo, a Constituição prevê cotas para castas inferiores no serviço público, mas isso não é implementado como deveria”, analisa a pesquisadora. “Dentro dos limites da democracia liberal, o texto poderia ser aprimorado. Por exemplo, até hoje, o estupro conjugal não é reconhecido”, acrescenta.

“Embora a opressão de castas seja uma realidade, hoje certos segmentos oprimidos têm muito mais capacidade de vocalizar suas demandas, e alguns agora compartilham do poder do Estado”, completa Bodapati. Em 1997, a Índia elegeu um dalit, Kocheril Raman Narayanan, pela primeira vez como presidente. O atual primeiro-ministro Narendra Modi, anfitrião de Bolsonaro, também é oriundo de castas consideradas inferiores.

Papel de Gandhi - Líder dos movimentos de independência, Mahatma Gandhi tem um papel controverso na elaboração do texto constitucional. Enquanto a ala liderada pelo jurista dalit Babasaheb Ambedkar se posicionou pela abolição completa do sistema de castas, Gandhi adotava uma postura intermediária, que prevaleceu na Constituição.

Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a antropóloga Mariana Faiad Batista Alves relata que, após perder aquela queda de braço, Ambedkar se dedicou a um trabalho de conversão em massa de dalits: do hinduísmo – religião que, segundo ele, os discriminava – para o budismo.

“As propostas de Ambedkar eram absurdamente progressistas para a época. Naquele movimento mundial de independência, ele foi o único que se colocou, por exemplo, em defesa dos direitos das mulheres. E a ideia dele que menos vingou na Constituição foi a reforma do sistema de castas”, acrescenta Alves. “São milênios de repressão. O sistema de castas nunca foi formalmente abolido, e muito em função da resistência que Gandhi impôs.”

A não-abolição faz com que, até hoje, existam vilarejos rurais compostos somente por dalits –segundo a pesquisadora, são justamente os territórios mais isolados, com maior dificuldade de acesso a água.
Bodapati, por outro lado, afirma que Gandhi tinha suas razões para não defender a abolição completa do sistema de castas. 

“Ele e o Partido do Congresso sabiam que isso significaria que a maioria dos hindus deixaria de apoiar o movimento de libertação da Índia”, lembra. “Além disso, a abolição levaria ao desmantelamento do sistema de propriedades e a distribuição de terras em todo o país. O Congresso era o partido dos grandes proprietários e capitalistas, e eles não queriam fazer isso”.

A economista indiana analisa que as ideias de Gandhi sobre as castas evoluíram nos anos seguintes. “Muitas de suas ações e palavras podem ser interpretadas como demonstrações de que seu apoio ao sistema de castas enfraqueceu ou até desapareceu. Ele casou todos os filhos com outras castas, o que é contra o sistema”, observa.       
 
Ameaças - Srujana Bodapati acrescenta que, apesar de todas as limitações da Constituição de 1950, a esquerda indiana tem se preocupado em defendê-la nos últimos anos, em vez de propor um novo texto. O motivo é o avanço da extrema direita no país, comandada pelo primeiro-ministro Narendra Modi.

Um dos ataques mais recentes à Constituição, segundo a pesquisadora, foi a emenda à Lei de Cidadania. Aprovada em dezembro de 2019, a emenda prevê a concessão de status de refugiados a minorias religiosas dos países vizinhos Afeganistão, Bangladesh e Paquistão. O texto, no entanto, não contempla cidadãos muçulmanos perseguidos nesses países, por isso foi interpretada como perseguição religiosa por parte dos nacionalistas hindus que lideram o atual governo. Hoje, os muçulmanos são 15% da população indiana. Hinduístas representam 80%.

“A Índia vive momentos de protesto e agitação contra a emenda à Lei de Cidadania. Essa mudança fere a Constituição indiana, que afirma claramente que todas as religiões são iguais”, finaliza Bodapati.
Mariana Faiad Batista Alves concorda que o debate sobre o sistema de castas tem sido ofuscado pela repressão crescente aos muçulmanos no atual governo. A antropóloga enfatiza as consequências negativas da chamada Partilha, que dividiu o território indiano e resultou na criação do Paquistão em 1947.

“Milhões de pessoas foram dizimadas, e a violência entre hinduístas e muçulmanos só aumentou, porque nem todos os muçulmanos migraram da Índia. Alguns ficaram por razões financeiras, outros porque moravam ali há 700 anos”, lembra. 

O sistema de castas nunca foi formalmente abolido, e muito em função da resistência que Gandhi impôs.
Quanto à violência entre castas, a tese de doutorado da antropóloga cita dados da própria polícia indiana ao afirmar que um crime cometido contra dalits por um não dalit é registrado a cada 16 minutos na Índia -- o que equivale a 90 por dia. O texto também informa que apenas 10% dos crimes dessa natureza são reportados à polícia, conforme análise realizada pela escritora e ativista Arundhati Roy. 

“Geralmente, quando um dalit é agredido, ele apela à lei de proteção ao dalit, que está na Constituição. Hoje, crime against schedule caste [crime relacionado à casta] é um dos delitos com mais incidência no país”, observa. Alves relata que ainda hoje, na zona rural, são comuns os estupros de jovens dalits por homens de castas consideradas superiores. Como os vilarejos dalits estão localizados em regiões de difícil acesso, os crimes cometidos no interior do país raramente são notificados.
 
Edição: Rodrigo Chaga
https://www.brasildefato.com.br/2020/01/26/constituicao-da-india-completa-70-anos-sem-erradicar-a-violencia-do-sistema-de-castas

Texto III: 

As mulheres Dalit que lutam contra estupros, pobreza e preconceito na Índia

'Ninguém pode nos ajudar ou falar por nós. Sofremos mais violência sexual porque não temos nenhum poder', explicou há alguns anos uma mulher Dalit a uma pesquisadora


"Somos vítimas de violência porque somos mulheres, pobres e de casta inferior — tão desprezadas por todos", disse uma mulher Dalit à pesquisadora Jayshree Mangubhai há alguns anos. 


"Ninguém pode nos ajudar ou falar por nós. Sofremos mais violência sexual porque não temos nenhum poder".


Na semana passada, foi relatado que uma mulher Dalit de 19 anos foi estuprada e agredida por um grupo de homens de casta superior no Estado de Uttar Pradesh, Índia. 


A notícia jogou luz novamente sobre a vulnerabilidade de 80 milhões de mulheres Dalit à violência sexual no país. Elas, como os homens do mesmo grupo, estão na base do rígido e inflexível sistema de castas da Índia. No passado, os Dalit eram chamados de "intocáveis".

Essas mulheres, que representam cerca de 16% da população feminina da Índia, enfrentam um "fardo triplo" de preconceito de gênero, discriminação de casta e privação econômica. 


"A mulher Dalit pertence ao grupo mais oprimido do mundo", explica Suraj Yengde, autor do livro Caste Matters ("A casta importa"). "Ela é uma vítima das culturas, estruturas e instituições de opressão, tanto externa quanto internamente. Isso se manifesta na violência perpétua contra as mulheres Dalit."


As consequências do recente estupro e assassinato de uma mulher em Hathras, Uttar Pradesh, ocorreram seguindo um roteiro comum quando a vítima é uma mulher Dalit: a polícia demora para registrar uma queixa; as investigações ficam atrasadas; autoridades questionam se houve mesmo um estupro; e há insinuações de que o crime não teve a ver com a casta. 


Por fim, as autoridades parecem ser cúmplices dos perpetradores de violência das castas superiores. Até mesmo alguns meios de comunicação, com redações dominadas por jornalistas de castas superiores, questionam se a violência sexual deve ser associada à casta.


Em outras palavras, o Estado e partes da sociedade na Índia agem para minimizar ou apagar os vínculos entre a violência sexual e a hierarquia das castas.


Após a morte da jovem de 19 anos em Hathras na semana passada, o governo de Uttar Pradesh, comandado por um político de casta superior e do partido da situação, o BJP, cremou apressadamente a vítima no meio da noite. 


O governo local também impediu a imprensa e políticos de oposição de visitaram a aldeia e a família da vítima, levantando suspeitas de encobrimento. Em uma atitude sem precedentes, o governo contratou uma agência de relações públicas para divulgar sua narrativa de que este não foi um incidente de estupro.
 

Dez mulheres estupradas por dia. Estima-se que haja 80 milhões mulheres Dalit na Índia

Dez mulheres estupradas por dia

Várias mulheres e crianças Dalit com trajes típicos, aglomeradas em aparente protesto


Mulheres Dalit vivendo em áreas rurais são vítimas de violência sexual desde sempre. Nesses lugares, grande parte da terra, recursos e poder social permanece com castas médias e superiores. 


Apesar de uma lei de 1989 que tentou blindar atrocidades contra esta comunidade, a violência contra as mulheres Dalit não diminuiu. Elas continuam a ser perseguidas, abusadas, molestadas, estupradas e assassinadas impunemente.


Segundo dados oficiais, por dia, dez mulheres Dalit foram estupradas no ano passado. O Estado de Uttar Pradesh, ao norte, tem o maior número de casos de violência contra as mulheres, bem como o maior número de casos de violência sexual contra meninas. Três Estados — Uttar Pradesh, Bihar e Rajasthan — são responsáveis por mais da metade dos registros de atrocidades contra os dalits.


Em um estudo de 2006 com 500 mulheres Dalit em quatro Estados, 54% relataram já ter sido agredidas fisicamente; 46% assediadas sexualmente; 43% já enfrentaram violência doméstica; 23% foram estupradas; e 62% sofreram abuso verbal.

E as mulheres Dalit sofrem violência vinda de todas as castas — incluindo a sua própria. O Centro para Direitos dos Dalit analisou 100 incidentes de violência sexual contra mulheres e meninas desta casta em 16 distritos da Índia entre 2004 e 2013, descobrindo que estes foram cometidos por pessoas de 36 castas diferentes, incluindo os Dalit. 


A pesquisa mostrou também que 46% das vítimas tinham menos de 18 anos; e 85% menos de 30 anos.


Mulheres Dalit estão mais 'assertivas' em sua defesa

Em protesto, jovem com véu segura cartaz que diz, em inglês: 'A vida de mulheres Dalit importa'

Morte recente em Uttar Pradesh motivou protestos em todo o país; na imagem, jovem segura cartaz que diz 'A vida de mulheres Dalit importa'


Um ponto de virada na história da violência contra as Dalit foi em 2006, quando quatro membros de uma família desta casta — uma mulher, sua filha de 17 anos e dois filhos — foram brutalmente assassinados por homens de casta superior após um longo conflito por terra. 


A tragédia em um vilarejo remoto chamado Khairlanji, no Estado de Maharashtra, começou com as duas mulheres indo à polícia registrar uma queixa sobre a disputa de terra. 


"Este incidente horrível mexeu com a consciência dos Dalits e destacou seu sofrimento social e discriminação", disse a historiadora Uma Chakravarti.


As castas superiores têm sido abaladas pelo empoderamento da casta — e a isto reagem. No caso de Hathras, documentos sugerem que a família da vítima teve uma disputa de duas décadas com uma família de casta superior.


Em todo o país, as transformações sociais estão mandando meninas Dalit para a escola e estimulando as mulheres deste grupo a se fazerem ouvir. 


"Como nunca antes, uma liderança sólida de mulheres Dalit está articulando suas próprias queixas e liderando a luta sem a intervenção de ninguém", avalia Yengde.


[3ª Série] Filosofia: A Concepção de Estado para Hegel

 Filosofia Política – George Wilhelm Friedrich Hegel

 
O Estado para Hegel


● George Wilhelm Friedrich Hegel – 1770 – 1831.
● Nasceu na Alemanha, em Stuttgart.
● É considerado o expoente máximo do idealismo alemão.
● Elaborou um sistema filosófico tão abrangente, que foi capaz de buscar respostas para a maioria das questões filosóficas, tentando reconciliar a filosofia com a realidade.


Idealismo Alemão

● Idealismo: compreensão de que o sujeito tem um papel mais determinante que o objeto no processo do conhecimento (lembram de Kant?).
● Kant foi quem assentou as bases do que ficaria conhecido como idealismo alemão, que afirmou que das coisas só podemos conhecer a priori aquilo que nós mesmos colocamos nela, que só podemos conhecer o pensamento ou a consciência que temos das coisas
● A ideia de uma inteligência, ou espírito, que se manifesta e se concretiza no mundo será o ponto de partida da Filosofia de Hegel, que entenda que a realidade é um processo análogo (equivalente) ao pensamento.
● “O real é racional e o racional é real”. Ele rompe com a distinção tradicional entre consciência e mundo, sujeito e objeto. Para ele, a realidade se identifica totalmente com o espírito (ideia, razão), enquanto a racionalidade seria o fundamento de tudo o que existe, inclusive a natureza.
● O ser humano é a manifestação mais elevada dessa razão.
 

Concepção de Estado para Hegel

● Hegel criticou a concepção liberal do estado encontrada em Rousseau, uma vez que essa concepção parte da ideia do indivíduo isolado, que teria se organizado em sociedade.


● Para Hegel, isso é um equívoco. Não existe o indivíduo em estado de natureza. O indivíduo humano é um ser social, que só encontra seu sentido no Estado. O indivíduo isolado é uma abstração.


● O indivíduo é parte orgânica de um todo: o Estado. É historicamente situado, alguém que fala uma língua e é criado dentro de uma tradição. Essas características são anteriores a cada um dos indivíduos isolados.


● É por isso que Hegel considera que o Estado precede o indivíduo. O Estado é concebido, portanto, como fundador da sociedade civil, ao contrário de Rousseau (e demais contratualistas), para quem os homens em seu conjunto que criam o Estado.


● Para Hegel, a realidade é a manifestação da Razão ou Espírito. O Estado é, então, a manifestação do Espírito objetivo em seu desenvolvimento, uma espera que concilia a universalidade humana com os interesses particulares dos indivíduos da sociedade civil.


● Sendo uma manifestação da Razão, o Estado possui uma universalidade que está acima da soma dos interesses individuais.

Citação: O Estado é a realidade efetiva da ideia ética (...) O indivíduo tem, por sua vez, sua liberdade substancial no sentimento de que ele (o Estado) é sua própria essência, o fim e o produto de sua atividade (...) por ser o Estado o espírito objetivo, o indivíduo só tem objetividade, verdade e ética se toma parte dele. 

 HEGEL, G w. Príncípios.


● Para Hegel, não existe indivíduo em Estado de natureza. Todo indivíduo humano já nasce ser social, inserido em um meio e influenciado por ele.


● O Estado é o conjunto dos indivíduos e estes são parte orgânica do mesmo. É historicamente situado e precede o indivíduo, é fundador da sociedade civil.


● Indivíduo como parte orgânica do Estado. O indivíduo não existe fora do Estado. O indivíduo é o que é, pois está inserido em uma sociedade historicamente constituída, com língua própria e tradição. Tentar compreender o indivíduo de forma isolado é um equívoco.


● A História é o desdobramento do espírito objetivo.


● O Espírito objetivo é a realização humana na sociedade. Manifesta-se no direito, na moralidade e na eticidade, englobando família, sociedade e Estado.


● O Estado político é o momento mais elevado do espírito objetivo, de modo que o indivíduo só existira como membro do Estado.


● A História seria o desdobramento do espírito no tempo. Ela é uma contínua evolução da ideia de liberdade, que se desenvolve segundo um plano racional.


● Para Hegel, conflitos, guerras, injustiças, dominações de um povo sobre outros são compreendidos como contradições ou momentos negativos que funcionam como mola dialética que move a história. São a antítese, que se contrapõe à tese, fazendo surgir uma etapa superior, a síntese.


● Todas as coisas existentes, mesmo as piores, fazem parte de um plano racional e, portanto, têm um sentido dentro do processo histórico. Esse conceito hegeliano recebeu inúmeras críticas, já que pode levar a um certo conformismo ou uma passividade diante das injustiças sociais.

Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo


[2ª Série] Teoria do Conhecimento de Immanuel Kant - II

segunda-feira, 29 de agosto de 2022


 Teoria do Conhecimento de Immanuel Kant – Texto II


Para Kant, a filosofia deveria responder a quatro questões fundamentais: o que posso saber? Como devo agir? O que posso esperar? E, por fim, o que é o ser humano? Esta última questão estaria implícita nas três anteriores.

Os estudos de Kant partiram da investigação sobre as condições nas quais se dá o conhecimento (o que posso saber), realizando um exame crítico da razão em sua obra mais célebre: Crítica da razão pura. Nela, confessa que Hume o havia despertado, pela primeira vez, de seu “sonho dogmático” (a ilusão de que a razão pode conhecer como são as coisas em si), levando-o a instituir o que ficou conhecido como “tribunal da razão”.

Seu exame do agir humano (isto é, sobre a ética, que corresponde a sua segunda pergunta) deu origem basicamente à Crítica da razão prática e à Fundamentação da metafísica dos costumes.

A terceira pergunta remetia ao futuro e à religião, e Kant, fiel ao espírito das Luzes, subordina a religião à razão e à lei moral, o que ele expôs em vários textos, como no Religião nos limites da simples razão. Outro aspecto importante da obra de Kant são suas reflexões a respeito da estética, presentes na Crítica do juízo.

Maioridade humana

Em seu texto O que é ilustração, Kant sintetiza seu otimismo em relação à possibilidade de o ser humano guiar-se por sua própria razão, sem se deixar enganar pelas crenças, tradições e opiniões alheias.

Nele, descreve o processo de ilustração como a saída do ser humano de sua “menoridade”, ou seja, um momento em que o indivíduo, como uma criança que cresce e amadurece, torna-se consciente da força e da independência (autonomia) de sua inteligência para fundamentar sua própria maneira de agir, sem a tutela ou doutrinação de outrem.

Tipos de conhecimento

Uma das questões mais importantes do pensamento de Kant é, portanto, o problema do conhecimento, a questão do saber. Na Crítica da razão pura, ele distingue duas formas básicas do ato de conhecer:

• conhecimento empírico (a posteriori) – aquele que se refere aos dados fornecidos pelos sentidos, ou seja, que é posterior à experiência. Por exemplo, para fazer a afirmação (ou juízo) “este livro tem a capa verde”, foi necessário ter primeiro a experiência de ver o livro e assim conhecer a sua cor; portanto, trata-se de um conhecimento posterior à experiência;

• conhecimento puro (a priori) – aquele que não depende de quaisquer dados dos sentidos, ou seja, que é anterior à experiência, nascendo puramente de uma operação racional da mente. Exemplo: a afirmação “Duas linhas paralelas jamais se encontram no espaço” não se refere a esta ou àquela linha paralela, mas a todas, pois sempre que duas linhas forem paralelas elas necessariamente não se encontrarão no espaço (se elas se encontrassem, não seriam paralelas).

Trata-se, portanto, de um conhecimento necessário e universal. Além disso, é uma afirmação que, para ser válida, não depende de nenhuma condição específica ou experiência anterior. O conhecimento puro, por conseguinte, conduz a juízos universais e necessários, enquanto o conhecimento empírico não apresenta essa característica.

Tipos de juízo

Os juízos, por sua vez, são classificados por Kant em dois tipos:


• juízo analítico – aquele em que o predicado já está contido no conceito do sujeito. Ou seja, basta analisar o sujeito para deduzir o predicado. Tomemos, por exemplo, a afirmação “o quadrado tem quatro lados”. Analisando o sujeito dessa afirmação – quadrado –, deduzimos necessariamente o predicado: tem quatro lados. Kant também chamava os juízos analíticos de juízos de elucidação, pois o predicado simplesmente elucida algo que já estava contido no conceito do sujeito;

• juízo sintético – aquele em que o predicado não está contido no conceito do sujeito. Nesses juízos, acrescenta-se ao sujeito algo de novo, que é o predicado (produzindo-se uma síntese entre eles). Assim, os juízos sintéticos enriquecem nossas informações e ampliam o conhecimento. Por isso, Kant também os denominava juízos de ampliação. Por exemplo, na afirmação “os corpos se movimentam”, por mais que analisemos o conceito corpo (sujeito), não extrairemos dele a informação representada pelo predicado se movimentam.

Valor dos juízos

Por fim, analisando o valor de cada juízo, Kant distingue três categorias:

• juízo analítico – como no exemplo da afirmação “o quadrado tem quatro lados”, é um juízo universal e necessário, mas serve apenas para elucidar ou explicitar aquilo que já se conhece do sujeito. Ou seja, a rigor, é apenas importante para se chegar à clareza do conceito já existente, mas não conduz a conhecimentos novos;


• juízo sintético a posteriori – como no exemplo da afirmação “este livro tem a capa verde”, amplia o conhecimento sobre o sujeito, mas sua validade está sempre condicionada ao tempo e ao espaço em que se dá a experiência e, portanto, não constitui um juízo universal e necessário;

• juízo sintético a priori – como no exemplo da afirmação “Duas linhas paralelas jamais se encontram no espaço” (e em outras da matemática e da geometria), acrescenta informações novas ao sujeito, possibilitando uma ampliação do conhecimento. E como não está limitado pela experiência, é um juízo universal e necessário.


Por isso, Kant conclui que se trata do juízo mais importante para a ciência, razão pela qual a matemática e a física, por trabalharem com juízos sintéticos a priori, se constituiriam em disciplinas científicas por excelência.

Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo

[2ª Série] Filosofia: A revolução copernicana na Filosofia - Immanuel Kant

 

 Teoria do Conhecimento de Immanuel Kant - Introdução 

 

 

Vida e Obra de Immanuel Kant

 

Nascido em Königsberg, na Prússia – reino do Império Alemão (atualmente Kalinigrado, na Rússia), foi um expoente do Iluminismo.

 

Iluminismo: movimento intelectual que se desenvolveu na Europa dos séculos XVII e XVIII, que valorizava o uso da razão como ferramenta para conhecer o mundo. Foi nesse período que se consolidaram os alicerces de várias áreas de pensamento científico moderno, por exemplo, a astronomia..

 

Por volta de 1770, com 46 anos, Kant leu a obra do filósofo escocês David Hume., que é por muitos considerado um empirista ou um cético.

 

Kant sentiu-se profundamente inquietado. Achava o argumento de Hume irrefutável, mas as conclusões inaceitáveis. 

 

Em 1781 publicou a Crítica da Razão Pura, um dos livros mais importantes e influentes da moderna filosofia.


Além de grande destaque na Epistemologia ou Teoria do Conhecimento, Kant foi muito produtivo no campo da Ética com as obras "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" (1785), 'Crítica da Razão Prática" (1788) e "Crítica do Julgamento" (1790).

 

Revolução Copernicana na Filosofia

Os fenômenos constituem o mundo como nós os experimentamos, ao contrário do mundo como existe independentemente de nossas experiências ("das coisas-em-si"). Segundo Kant, os seres humanos não podem saber da essência das coisas-em-si, mas saber apenas das coisas segundo nossos esquemas mentais que nos permitem apreender a experiência.

 

Em outras palavras, uma coisa é a realidade tal como ela é, e outra coisa é a maneira como essa mesma realidade aparece diante de nós enquanto sujeito do conhecimento. A realidade, tal como ela é, em sua essência, (a coisa em si) incognoscível, ou seja, não podemos conhecê-la. Contudo, nós podemos conhecer o modo como ela nos aparece (fenômeno), posto que o modo de seu aparecimento não dependerá só dela, mas de nós também. Portanto, jamais conhecemos as coisas em si, mas somente tal como elas nos aparecem (fenômenos).

 

Com Kant a teoria do conhecimento deixa de se debruçar somente sobre o objeto do conhecimento. Ela passa a entender o sujeito como elemento ativo do processo de conhecimento, fato que constituiu o ponto central da revolução gnosiológica preconizada por Kant, conhecida como o fenômeno da subjetividade.

 

A subjetividade é o mundo interno de todo e qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. Na teoria do conhecimento, a subjetividade é o conjunto de ideias, significados e emoções que, por serem baseados no ponto de vista do sujeito, são influenciados por seus interesses e desejos particulares.

 

A forma com o objeto nos aparece (o fenômeno) diz respeito ao modo com que somos afetados pelo objeto, a forma com que o percebemos (subjetividade). Assim, um indivíduo pode ser afetado de um jeito diferentemente de outros.

 

Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica.... 

 

Na Crítica da Razão Pura tinha um problema a resolver, que dizia respeito à seguinte questão: como posso obter um conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo? 

 

A resposta de Kant iria mudar o rumo da Filosofia Ocidental.. Antes de Kant, duas escolas filosóficas, tradicionalmente, respondiam de formas diversas ao problema do conhecimento. Para os filósofos racionalistas (Platão, Descartes, Leibniz e Espinosa), todo conhecimento provém da razão, enquanto que, para os empiristas (Aristóteles, Hobbes, Locke, Berkeley e Hume), ao contrário, somente os dados da experiência sensível forneceriam as bases para o conhecimento humano.

 

Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento.

 

Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura:

 

"Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados."

 

Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo

[1ª Série] Filosofia: O trabalho no Mito de Sísifo

 As perspectivas sobre o trabalho - O trabalho no Mito de Sísifo e na reflexão de Albert Camus

O mito de Sísifo fala sobre um personagem da mitologia grega considerado o mais inteligente e esperto dos mortais. Entretanto, ele desafiou e enganou os deuses e, por isso, recebeu um castigo terrível: rolar uma grande pedra montanha acima por toda a eternidade.

 

Sua história foi usada pelo filósofo Albert Camus como representação da inadequação do ser humano em um mundo sufocante e absurdo.

Mito de Sísifo resumido

A mitologia grega conta que Sísifo foi rei e fundador de um território que hoje se chama Corinto, localizado na região do Peloponeso. Seus pais eram Éolo e Enarete e sua esposa, Mérope.


Um dia, Sísifo viu a bela Egina ser sequestrada por uma águia a mando de Zeus. Egina era filha de Asopo, deus dos rios, que estava muito abalado com o sumiço da filha. Vendo o desespero de Asopo, Sísifo pensou que poderia tirar vantagem da informação que tinha e contou-lhe que Zeus havia sequestrado a moça. Mas, em troca, pediu que Asopo criasse uma nascente em seu reino, pedido que foi prontamente atendido.

 

Zeus, ao saber que Sísifo havia lhe denunciado, ficou furioso e enviou Tânatos, o deus da morte, para levá-lo para o mundo subterrâneo. Mas, como Sísifo era muito esperto, conseguiu enganar Tânatos ao dizer que gostaria de presenteá-lo com um colar. Na verdade, o colar era uma corrente que o manteve preso e permitiu que Sísifo escapasse. Com o deus da morte aprisionado, houve um tempo em que mais nenhum mortal morria.

 

Assim, Ares, o deus da guerra, também se enfureceu, pois a guerra necessitava de mortos. Ele então vai até Corinto e liberta Tânatos para que conclua sua missão e leve Sísifo para o submundo.

 

Sísifo, desconfiando que isso pudesse ocorrer, instrui sua esposa Mérope a não lhe prestar as homenagens fúnebres, caso ele morra. Assim é feito. Ao chegar ao mundo subterrâneo, Sísifo se depara com Hades, o deus dos mortos, e lhe conta que sua esposa não havia lhe enterrado da maneira adequada.

 

Então ele pede à Hades que volte ao mundo dos vivos apenas para repreender a esposa. Depois de muito insistir, Hades permite essa visita rápida. Entretanto, ao chegar no mundo dos vivos, Sísifo não retorna e, mais uma vez, engana os deuses.

 

Sísifo fugiu com sua esposa e teve uma vida longa, chegando à velhice. Mas, como era mortal, um dia foi preciso retornar ao mundo dos mortos. Lá chegando, se deparou com os deuses que havia ludibriado e então recebeu uma punição pior do que a própria morte.

 

Ele foi condenado a realizar um trabalho exaustivo e sem propósito. Teria que rolar uma enorme pedra montanha acima. Mas quando chegasse no topo, devido ao cansaço, a pedra rolaria morro abaixo. Então Sísifo deveria novamente levá-la para o alto. Esse trabalho teria que ser feito todos os dias, por toda a eternidade.

 

Significado do mito: um olhar contemporâneo

A história de Sísifo existe desde tempos remotos, tendo origem ainda antiguidade. Entretanto, essa narrativa revela muitos aspectos que servem como ferramentas para a reflexão de questões contemporâneas.

 

Percebendo o potencial simbólico dessa mitologia, Albert Camus (1913-1960), um escritor e filósofo francês, usou o mito de Sísifo em seu trabalho. Ele desenvolveu uma literatura que buscava a libertação dos seres humanos e questionava as relações sociais absurdas que rondavam o século XX (e que ainda se mantém).

 

Uma de suas obras mais famosas é O mito de Sísifo, lançada em 1942, momento em que ocorria a Segunda Guerra Mundial. Nesse ensaio, o filósofo utiliza Sísifo como alegoria para tratar de questões existenciais como o propósito de vida, a inadequação, a futilidade e o absurdo da guerra e das relações de trabalho. Assim, Camus elabora uma relação entre a mitologia e a atualidade, trazendo para nosso contexto o trabalho de Sísifo como uma tarefa contemporânea cansativa e inútil, onde o trabalhador ou trabalhadora não vê sentido, mas precisa continuar a exercer para conseguir sobreviver.

 

Muito combativo e com ideias de esquerda, Camus compara o terrível castigo do personagem mitológico ao trabalho exercido por grande parte da classe trabalhadora, condenada a fazer a mesma coisa dia após dia e, geralmente, sem consciência de sua condição absurda.

 

Esse mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo, proletário dos deuses, impotente e revoltado, conhece toda a extensão de sua miserável condição: pensa nela durante a descida. A clarividência que deveria ser o seu tormento consuma, ao mesmo tempo, sua vitória. Não há destino que não possa ser superado com o desprezo.

Albert Camus, O mito de Sísifo

 

Reflexão sobre o tema: 

O que o mito de Sísifo tem a ver com o trabalho?

O que diz o mito de Sísifo?

O que quer dizer a expressão trabalho de Sísifo?

Qual conclusão podemos tirar do mito de Sísifo?

  

Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo