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[1ª Série] Filosofia: Etnocentrismo II

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Etnocentrismo - O que é? Como surgiu? Relativismo Cultural - 

 Etnocentrismo: conceito, características e como é cobrado nas avaliações externas:

    Por
    Raquel Oshio

    O que é etnocentrismo?
    Etnocentrismo: como é cobrado em prova?
    Exemplos de Etnocentrismo
    Exercício Resolvido

O que é etnocentrismo?

O que significa etnocentrismo e como é cobrado na prova? Em linhas gerais, podemos defini-lo de uma maneira bem simples. Etnocentrismo é a visão de mundo produzida a partir de nossos próprios valores, modelos e ideias.

Etnocêntrico tende a julgar, de maneira preconceituosa, culturas e experiências humanas distintas da sua, mesmo sem conhecê-las, ou seja, vê o mundo de acordo com sua própria cultura e a considera superior às demais. Essa leitura nasce do choque de culturas, ou seja, de quando nos deparamos com algo muito distinto do que entendemos como nossa identidade.

EtnocentrismoAsian peoples, Gustav Mutzël, litografia, 1894. Fonte: Wikimedia Commons.


Em diversos momentos da História, esse preconceito fez com que o embate entre duas ou mais culturais resultasse no extermínio de uma delas. A esse processo denominamos de etnocídio, ou genocídio cultural.

A cultura que dispõe de condições de se impor sobre as demais se apresenta como a única leitura possível da realidade, eliminando traços de outras culturas, como língua e costumes.

O contrário do etnocentrismo é a alteridade. A capacidade de se colocar no lugar do outro reconhecendo seu direito de possuir valores culturais distintos do seu.

Na Antropologia, ciência dedicada ao estudo das culturas humanas, essa interação despida de preconceitos é chamada de relativismo cultural, no qual se busca conhecer os valores, crenças e ideias de uma determinada sociedade levando em conta seu próprio contexto.

Para dar um exemplo, quando um antropólogo deixa uma cidade como São Paulo para estudar as formas de cura existentes entre os Kaxinawa, povo indígena que habita a fronteira entre Brasil e o Peru, ele deve levar em conta as especificidades culturais de seu objeto de estudo, sem deixar que sua análise seja contaminada pelos seus próprios valores.   

 

Etnocentrismo: como é cobrado em prova?

Os vestibulares apresentam grande preocupação com a história das mentalidades, ou seja, com as transformações no modo de pensar das experiências humanas dispostas no tempo. Devido a isso, o etnocentrismo é tema recorrente em diversas questões de vestibular, especialmente ao abordar dois períodos históricos:

  • A conquista da América pelos europeus, durante a Idade Moderna, e quais as visões eles tinham sobre os ameríndios encontrados;
  • O imperialismo no século XIX, ou seja, as formas de dominação impostas pelos europeus a territórios da África, Ásia e Oceania.

Como em ambos os contextos os europeus apresentam uma visão preconceituosa sobre os demais povos, o etnocentrismo por vezes é denominado eurocentrismo. Trata-se da noção de que os padrões culturais do continente europeu são superiores ao dos demais povos.


Exemplos de Etnocentrismo:

A conquista da América

  • A partir da chegada de Cristóvão Colombo na América, em 1492, as monarquias europeias deram início a um processo de conquista do continente até então desconhecido pelos europeus.
  • Concepções políticas, econômicas, religiosas e sociais estranhas às populações ameríndias foram introduzidas no “Novo Mundo” pelos conquistadores. Não buscaram conhecer efetivamente os povos subjugados e suas próprias formas de organizar a vida em sociedade.
  • Os indígenas foram forçados a reconhecer os reis de seus conquistadores como seus representantes, a se converterem à fé católica e a trabalharem de maneira compulsória em atividades econômicas voltadas ao abastecimento dos mercados europeus.
  • Isso culminou no extermínio de diversas culturas, afinal todas as manifestações nativas eram consideradas indignas, bárbaras ou pecaminosas.

 

Etnocentrismo: o imperialismo na África e Ásia

Se saltarmos alguns séculos de História mundial, iremos nos deparar com outro conteúdo no qual o etnocentrismo é um conceitos-chave: o imperialismo, também chamado de neocolonialismo.

O termo se refere à de dominação de territórios na África, Ásia e Oceania por potências europeias em acelerado processo de industrialização, com o objetivo de obter novos fornecedores de matérias-primas e mercados consumidores de seus produtos.

Iniciada a partir da segunda metade do século XIX, essa dominação exercida pelos europeus em alguns casos se deu militarmente. A partir do envio de tropas que garantiam a conquista de novos territórios, e/ou economicamente, tornando mercados locais dependentes de produtos e recursos europeus.

Diferentemente do momento de conquista da América, quando a dominação foi justificada pela fé católica, no imperialismo a hegemonia das nações europeias sobre territórios de outros continentes foi realizada com o pretexto de que eles desempenhavam uma “missão civilizadora” pelo mundo.

Países como Inglaterra e França julgavam estar prestes a atingir o ápice do progresso tecnológico e científico. Por isso, deveriam guiar os demais povos a se afastaram da barbárie e se tornarem civilizados.

É neste contexto que surge a ideia de que a espécie humana seria dividida em raças, e que cada uma delas apresentava traços biológicos distintos. Amparadas por teorias como o evolucionismo e o darwinismo social, ambas tidas como cientificamente comprováveis, as nações europeias defendiam a superioridade da raça branca sobre as demais, justificando sua dominação sobre outros povos.

Exercício Resolvido

Etnocentrismo: questão UNESP (2013)

[Os tupinambás] têm muita graça quando falam […]; mas faltam-lhe três letras das do ABC, que são F, L, R grande ou dobrado, coisa muito para se notar; porque, se não têm F, é porque não têm fé em nenhuma outra coisa que adoram; nem os nascidos entre os cristãos e doutrinados pelos padres da Companhia têm fé em Deus Nosso Senhor, nem têm verdade, nem lealdade a nenhuma pessoa que lhes faça bem. E se não têm L na sua pronunciação, é porque não têm lei alguma que guardar, nem preceitos para se governarem; e cada um faz lei a seu modo, e ao som da sua vontade; sem haver entre eles leis com que se governem, nem têm leis uns com os outros. E se não têm esta letra R na sua pronunciação, é porque não têm rei que os reja, e a quem obedeçam, nem obedecem a ninguém, nem ao pai o filho, nem o filho ao pai, e cada um vive ao som da sua vontade […].

O texto destaca três elementos que o autor considera inexistentes entre os tupinambás, no final do século XVI. Esses três elementos podem ser associados, respectivamente,
a) a diversidade religiosa, ao poder judiciário e às relações familiares.
b) à fé religiosa, a ordenação jurídica e a hierarquia política.
c) ao catolicismo, ao sistema de governo e ao respeito pelos diferentes.
d) à estrutura política, à anarquia social e ao desrespeito familiar.
e) ao respeito por Deus, à obediência aos pais e à aceitação dos estrangeiros.
 

Comentários

O relato de um europeu acerca dos Tupinambá não possuírem as letras F, L e R em seu linguajar evidencia a ausência de alteridade em seu olhar sobre os nativos, afinal ele não reconhece neles Fé, Lei ou Rei. Em outras palavras, não são identificáveis a existência de crenças religiosas, um conjunto de normas que ordenavam suas relações sociais ou mesmo lideranças políticas, assim como sugere a alternativa B.

Isso se deve ao fato de o autor sustentar uma leitura eurocêntrica sobre povos não-europeus, uma vez que diante da não constatação de elementos que caracterizavam as sociedades europeias do Ocidente, tais como monarquias, sociedades hierarquizadas e ordenamentos jurídicos, ele parte do pressuposto de que estes povos viviam desorganizadamente.

Estando, portanto, correta a alternativa B. 

 
Analisemos as demais:
    A alternativa A está incorreta. Ao mencionar a inexistência do “F”, o autor não se refere a pouca pluralidade de crenças. Ele se refere à completa inexistência delas. Além disso, também acredita não haver leis que regulem o modo de vida dos tupinambás. E isso não necessariamente pressupõe a existência de um poder judiciário. Por fim, quando diz não observar um “Rei”, acredita que os indígenas não dispunham de lideranças políticas.
    A alternativa B também está incorreta. O respeito aos diferentes não é algo apregoado sequer nas sociedades europeias ocidentais. Um bom exemplo disso é a própria visão apresentada pelo autor, despida de alteridade.
    As palavras “Fé”, “Lei” e “Rei” não sugerem desrespeito aos estrangeiros, pais e demais familiares. Elas sugerem a inexistência de instituições religiosas, jurídicas e políticas entre os nativos. Por isso, as alternativas D e E estão incorretas.

 

 Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo

[1ª Série] Filosofia: Etnocentrismo I

O que é o etnocentrismo?


Antes de definir o que é etnocentrismo, é preciso entender o conceito de cultura e como ele está interligado com o conceito de etnocentrismo. Cultura é um conceito amplo, existem vários tipos de definições.

Para o antropólogo Franz Boas:

    “Cultura abrange todas as manifestações de hábitos sociais de uma comunidade, as reações do indivíduo afetado pelos hábitos do grupo em que vive e o produto das atividades humanas, como determinado por esses hábitos.” (Boas, 1930, tradução própria)

A palavra etnocentrismo é um conceito que vem dos radicais “etno” (etnia) e “centrismo” (centro), portanto, etnocentrismo é o ato de julgar a cultura do outro baseado na sua própria crenças, moral, leis, costumes e hábitos.

Por exemplo: achar que a cultura ocidental é o modelo de sociedade correta e a cultura do oriente médio é errada ou vice-versa.

Quem inventou o conceito de etnocentrismo?

O antropólogo britânico Edward Tylor (1832-1917) em seus estudos utilizava a corrente evolucionista que embasava a existência de cultura superior e inferior. A corrente evolucionista acredita que a sociedade começa de forma primitiva até chegar ao progresso.

Conforme as palavras de Edward Tylor:

Comparando os vários estágios de civilização entre as raças conhecidas da história, com ajuda da inferência arqueológica derivada dos restos de tribos pré-históricas, parece possível formar uma opinião, ainda que grosseira, sobre uma condição anterior geral do homem. Do nosso ponto de vista, essa condição deve ser tomada como a primitiva, mesmo que na realidade, algum estágio ainda mais remoto possa ter existido antes dela. Essa condição primitiva hipotética corresponde, em considerável medida, à das tribos selvagens modernas que, apesar da diferença e distância entre si, têm em comum certos elementos de civilização que parecem resíduos de um estágio anterior da raça humana em geral. Se essa hipótese for verdadeira, então, apesar da contínua interferência da degeneração, a tendência central da cultura, desde os tempos primevos até os modernos, foi avançar, a partir da selvageria, na direção da civilização (TYLOR, 2005).

Entretanto, o etnocentrismo sempre existiu. Os europeus acreditavam que a cultura europeia era a certa e que todas as outras culturas deveriam compartilhar dos mesmos valores.

Ao longo da história vários momentos etnocêntricos foram acontecendo, a exemplo a Segunda Guerra Mundial com o Nazismo, que acreditava na superioridade da raça ariana sobre as outras, e a Guerra Fria onde os Estados Unidos da América – EUA e União Soviética competia para impor qual cultura era melhor.

Quais são os tipos de etnocentrismo?


O etnocentrismo existe até hoje e pode ser expressado de diversas formas, desde as mais explícitas e até veladas. São práticas para classificar, subjugar e inferiorizar outras culturas.

A sua narrativa é sempre impor uma opinião, julgamento, doutrina, moral, valores, segundo a sua própria visão de mundo ou de determinado grupo. Ela não busca compreender o mundo na visão do outro, e sim utilizar a violência verbal ou física.

São exemplos de etnocentrismo a intolerância religiosa e a xenofobia. No caso da intolerância religiosa, ou etnocentrismo religioso, o intolerante acredita que sua religião é a certa e todas as outras devem seguir os mesmo preceitos.

Por último, a xenofobia, o xenofóbico acredita que existe uma cultura superior, denominando a de “primeiro mundo” e a cultura inferior que seria o “terceiro mundo”. E todas as demais culturas devem seguir seus hábitos, moral e vestimentas.

Logo, o etnocentrismo não aceita o diferente, sua visão de mundo é centrada nele mesmo, em sua própria cultura e modo de vida.

Que críticas recebe a visão etnocêntrica?

Foi com o pai da antropologia, o alemão Franz Boas (1858-1942) que a palavra etnocentrismo foi rompida, contraponto com o relativismo.

O relativismo compreende que não existe uma cultura certa ou errada, desenvolvida ou subdesenvolvida, primitiva, e sim culturas diferentes.

O relativismo entende que a cultura de uma pessoa ou grupo não pode ser avaliada segundo o preceito de uma cultura dominante e sim compreendida através dos próprios valores daquela cultura.

O relativismo cultural é reconhecer a diversidade de todas as culturas, porém, não significa normalizar o absurdo, mas, sim, entender a cultura no ambiente do outro, independente do julgamento de valor.

E você, consegue identificar atitudes etnocentristas no seu dia a dia?

Referências:
BOAS, Franz. “Anthropology”. Em: Encyclopedia of the Social Sciences, vol. 2
    Brasil Escola – Franz Boas
ROCHA, Everardo Pereira Guimarães. O que é etnocentrismo?. Col. Primeiros Passos. 5. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1988
TYLOR, E. B. A ciência da cultura. In: CASTRO, Celso (org.) Evolucionismo cultural. Trad. Maria Lúcia de Oliveira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005

 

Prof.ª Karoline Rodrigues de Melo