Profª de Filosofia e Sociologia da Rede Estadual de Goiás desde 2010.
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[2ª Série] Filosofia: A Revolução Copernicana de Kant

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

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A imagem acima ilustra, apesar do didatismo rasteiro, a divisão kantiana entre "noúmeno" e "fenômeno". Essa divisão retrata a “revolução copernicana” de Kant na filosofia.

Sendo, conforme Georges Pascal: “a revolução copernicana de Kant é a substituição, em teoria do conhecimento, de uma hipótese idealista à hipótese realista. O realismo admite que uma realidade nos é dada, quer seja de ordem sensível (para os empiristas), de ordem inteligível (para os racionalistas), e que o nosso conhecimento deve modelar-se sobre essa realidade. […] O idealismo supõe, ao contrário, que o espírito intervém ativamente na elaboração do conhecimento e que o real, para nós, é resultado de uma construção.” p.36  ( O pensamento de Kant)

Conforme Julian Marias: “As coisas em si são inacessíveis; não posso conhecê-las, porque na medida em que as conheço já estão em mim, afetadas pela minha subjetividade; as coisas em si (númenos) não são espaciais nem temporais, e nada pode dar-se a mim fora do espaço e do tempo. As coisas, tal como se manifestam para mim, como aparecem para mim, são os fenômenos. Kant distingue dois elementos no conhecer: o dado e o posto. Há algo que se dá a mim (um caos de sensações) e algo que eu ponho (a espaço-temporalidade, as categorias), e da união desses dois elementos surge a coisa conhecida ou fenômeno. Portanto, o pensamento, ao ordenar o caos de sensações, faz as coisas; por isso Kant dizia que não era o seu pensamento que se adaptava às coisas, mas sim o contrário, e que sua filosofia significava uma ‘revolução copernicana’.”

De acordo com o próprio: “não conhecemos a priori nas coisas senão aquilo que nós mesmos nelas colocamos”  (Kant apud PASCAL)

Portanto, Kant coloca o problema gnoseológico em primeiro plano e abala o reinado “dogmático” da metafísica. Nisso dá a razão investigar a si mesma rsrs. Assim, com a “Crítica da Razão Pura” começa o idealismo alemão, um exemplare inconteste do pensamento moderno, do cartesianismo e do racionalismo.

[1ª Série] Filosofia: Parmênides de Eleia

segunda-feira, 19 de março de 2018

Textos extraídos da peça teatral “Grandes Pensadores”



 Por Karoline Rodrigues de Melo

PARMÊNIDES, O ELEATA – Παρμενίδης ὁ Ἐλεάτης



Monólogo de Parmênides:

— Bom dia! Deixem-me que faça a minha breve apresentação. Eu sou Parmênides de Eleia, pois sou natural dessa cidade, situada à costa sul da Magna Grécia.  Sou conhecido como um dos mais influentes filósofos pré-socráticos, embora tenha vivido na mesma época de Sócrates, este grande pensador ateniense!

Modéstia à parte, não fui um seguidor ou reelaborador de um pensamento já criado. Fui um inovador radical!

Não procurei um elemento da natureza para pensar como sendo o princípio substancial de tudo. Mas foquei meu pensamento no ser. O ser, na Filosofia, pode ser definido como "aquilo que é", mas dizer o que é o aquilo do ser, é outra questão filosófica!

Escrevi uma única obra chamada "Sobre a natureza", em forma de poema, que hoje apenas são conhecidos seus fragmentos. Nela narro o que ouvi das musas, que por uma carruagem puxada por corsas, conduziram-me à luz da verdade - que em grego significa alethéia.

Foram me oferecidas duas opções para compreender a realidade. A primeira diz respeito à via da opinião, que em grego chamamos de doxa. Essa é a via do erro, das opiniões falaciosas. É o caminho no qual os sentidos parecem atestar o devir, o movimento, o nascer e o morrer e, portanto, o ser junto com o não-ser. 

Meus caros, descobri que essa é a raiz do erro, da admissão da possibilidade de coexistir ser e não-ser, ou de admitir o ser virar não-ser e do nada, do não-ser surgir o ser. É contraditório buscar a essência, o princípio fundamental naquilo que não permanece. É um equívoco dar muita importância aos dados fornecidos pelos sentidos.

Mas, a verdade é, pois, o caminho do pensamento, já que o ser, o que existe, é tudo aquilo que pode ser pensado. Dessa forma, o que não é, o não-ser, o que não existe, não pode ser pensando nem, portanto, dito, sendo um caminho ilusório.

Para mim, a verdade sobre as coisas está no que permanece. Sendo assim, é necessário fazer o uso da razão para compreender a verdade. Assim, o ser - aquilo que é - é eternamente, pois o ser é a substância permanente. Ele é imutável e não pode deixar ser. Já o não-ser - a negação do ser - não é, não tem ser, não tem substância. Portanto, é nada, não existe. O não-ser é a mudança - devir -, que significa não ser mais aquilo que era, nem ser ainda algo que vai ser.

A via da opinião, da doxa, deve ser evitada para não concluirmos que "o ser e o não-ser são e não são a mesma coisa".

O filósofo alemão Nietzsche diz que se Heráclito é o filósofo do fogo, Parmênides é o filósofo do gelo, vertendo em torno de si uma luz fria e penetrante. Nietzsche descreve assim Parmênides, pelo fato de esse filósofo ter fixado no ser imóvel e uno a fonte de tudo o que é.

Em seu poema, o eleata narra o encontro com a deusa Verdade, que o instrui a se afastar do caminho sensível, uma via de confusão, que leva as massas indecisas a acreditarem que ser e não-ser são iguais.

O caminho do ser é o caminho da verdade, que deve ser una e sempre idêntica a si mesma. Na matemática, dois mais dois são quatro. Não importa o quanto as pessoas mudem de opinião, essa verdade continua inabalável - e mesmo as pessoas mais irascíveis são obrigadas a concordar com ela.

Parmênides exerceu grande influência no pensamento de Platão, filósofo e matemático do período clássico da Grécia Antiga, autor de diversos diálogos e fundador da Academia em Atenas, a primeira instituição de educação superior do mundo ocidental.

[1ª Série] Filosofia: Heráclito de Éfeso


Textos extraídos da peça teatral “Grandes Pensadores”



 Por Karoline Rodrigues de Melo

HERÁCLITO DE ÉFESO – Ἡράκλειτος

Monólogo de Heráclito:



— Bom dia! Eu me chamo Heráclito. Nasci em Éfeso, cidade da Jônia, atual Turquia. Alguns de meus contemporâneos me consideravam um homem de sentimentos elevados, orgulhoso e cheio de desprezo pelos outros.

Na verdade, minha origem é de uma família fundadora da cidade, considerada ilustre. No entanto, nunca tive boas relações com meus concidadãos. Apesar de ser de família importante, nunca me importei com o poder, aliás, nutri um profundo desprezo aos bens materiais.

Nunca dei importância à política, aos poetas gregos e à religião de meu tempo.

Vivi boa parte de minha vida isolado em um templo de Ártemis. Nos últimos anos da minha vida, passei a viver ainda mais isolado, nas montanhas, alimentando-me somente de plantas.

Assim como os pensadores de Mileto, em minha constante sede de conhecer, observei que a realidade é dinâmica e que a vida está em constante transformação. Mas, ao contrário dos primeiros pensadores – que buscavam na mudança aquilo que permanece –, decidi concentrar a minha reflexão no que muda.

O ser não é e o não-ser é! Essa é a minha conclusão sobre a origem de tudo! Não entenderam o meu pensamento? Deixe-me reformular: Tudo flui, nada persiste nem permanece o mesmo! Ou melhor, o ser não é mais do que o vir a ser.

Ocorre meus ilustres, que não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio, assim como não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado. Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois quando nele se entra novamente, não se encontra as mesmas águas, e o próprio ser já se modificou. Assim, tudo é regido pela tensão e o revezamento dos opostos.

Tudo o que percebemos como imutável é uma ilusão. A vida é uma constante transformação. Tudo muda o tempo inteiro. Eu pareço estar parado aqui nesse palco, mas no meu corpo há movimento, meu sangue, minhas células estão em movimento. Assim como o próprio chão. Isso, o chão! Ele também é constituído de átomos que estão em movimento, apesar de não percebermos a olho nu. Sem contar que, tanto eu, quanto esse chão estamos no planeta Terra que gira em torno de si próprio e em torno do Sol.

Em meu tempo não havia teorias como a de físicos atuais que defendem que o Big Bang, a grande explosão, não foi o marco zero do universo, e sim uma etapa de um eterno ciclo de contração e expansão do Cosmo, que nunca teve início.

Eu mesmo não tinha a menor ideia do que era o Big Bang, mas já defendia que o universo sempre existiu e nunca vai acabar! Essa mudança contínua chamamos de devir – que significa transformação, fluxo constante que está presente em tudo no universo. Esta mudança nasce do conflito dos contrários.

A vida e a morte, o acordar e o dormir, a juventude e a velhice, o bem e o mal fazem parte de um mesmo jogo, o jogo de contrários. O frio se torna quente, a noite se torna dia, o novo se torna velho, a mesma ladeira que sobe, é a mesma que desce. Mas a luta dos opostos não produz o caos, ela determina a harmonia do universo.

Trazendo o meu pensamento para o tempo de vocês, eu poderia ser compreendido assim: todas as coisas e criaturas da natureza trazem em si o seu contrário. Ao mesmo tempo a semente da criação e da destruição. O código genético de cada célula traz a informação que permite que ela cresça, se desenvolva, mas também já está lá, em potencial a sua própria morte.

O ser humano muda o tempo inteiro, mas nem por isso deixa de ser humano. O bebê nasce, cresce, se torna adulto, têm seus filhos, envelhece, morre. A vida permanece, continua o seu fluxo.

Heráclito afirmava que a própria identidade das coisas está na mudança constante, na variação e no movimento incessante. “Não podemos entrar em um rio duas vezes pois, na segunda vez já não são as mesmas águas. Já não é o mesmo rio”, afirmava. Vimos que, para ele, nada existe no mundo que possa escapar à mudança.

Ele afirma que o princípio de tudo, o elemento fundamental é o fogo. É preciso notar que a indicação do fogo como princípio de todas as coisas não coloca Heráclito na mesma condição que os filósofos de Mileto. O fogo mencionado por Heráclito não se iguala à água de Tales ou ao ar de Anaxímenes.

Quando Heráclito indica o fogo como elemento primordial, está muito mais próximo de uma linguagem simbólica do que apontando para um fundamento concreto, uma arché. É necessário perceber que o fogo só existe pela constante mudança de coisas em cinzas e fumaça. Aniquilada esta mudança, não existe mais o fogo. Assim ele vê toda a realidade como que alimentada de mudança o tempo todo. 
A natureza é a vida dos contrários. É a luta dos contrários. Tudo flui (πάντα ε).  // “A quem desce no mesmo rio sobrevêm águas sempre novas” (frag. 12). “Nos mesmos rios entramos, nós mesmos somos e não somos” (frag. 49a).