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[2ª Série] Sociologia: Estratificação Social - As castas na sociedade indiana contemporânea

terça-feira, 30 de agosto de 2022

Texto I: 

 O sistema de castas na sociedade indiana

A Índia é um país asiático que possui uma população de aproximadamente 1,1 bilhão de habitantes. Desse total, cerca de 75% são seguidores da religião hindu. A principal religião da Índia interfere diretamente na estruturação social, uma vez que o hinduísmo divide a sociedade em castas.


A divisão da sociedade em castas é determinada a partir da hereditariedade. As castas se definem de acordo com a posição social que determinadas famílias hindus ocupam. Fator que estabelece um tipo de “hierarquia” social marcada por privilégios e deveres.


Em um primeiro momento existiam somente quatro tipos de castas na Índia, que eram: os brâmanes (composta por sacerdotes), xatrias (formada por militares), vaixias (constituída por fazendeiros e comerciantes) e a mais baixa, os sudras (pessoas que deveriam servir as castas superiores).

As pessoas que não faziam parte de nenhuma das castas recebiam o nome de párias ou intocáveis. Pessoas excluídas que tinham a incumbência de realizar os mais deploráveis trabalhos, aqueles rejeitados por indivíduos que integrava alguma das castas.

Atualmente, existem cerca de 3 mil castas distintas na Índia. A proliferação do número de castas se deve, principalmente, pelo crescimento populacional e também pelo dinamismo e diversidade das atividades produtivas, promovidas pelo crescimento econômico que o país vem passando nos últimos anos.

Esse sistema tem como principal característica a segregação social, determinando a função das pessoas dentro da sociedade indiana.

Tal segregação resulta em desigualdade social, que é explicada pelo fato de um indivíduo não poder ascender para uma casta superior.

Segundo o governo indiano, o sistema de castas não existe mais no país. Apesar do governo não admitir, a verdade é que esse sistema está presente na sociedade, interferindo diretamente na qualidade de vida da população indiana.

Por Eduardo de Freitas - Graduado em Geografia
Disponível em: http://www.brasilescola.com/geografia/o-sistema-castas-na-india.htm  

Texto II: 

Sistema de castas vigora há mais de dois mil anos na Índia e é baseado em uma condição hereditária, passada de pai para filho - Raveendran/AFP

 

Constituição da Índia completa 70 anos sem erradicar a violência do sistema de castas
 
A Constituição que aboliu formalmente a discriminação de castas na Índia completa 70 anos neste domingo (26), mas a violência contra integrantes de camadas consideradas inferiores persiste. O relatório mais recente da Anistia Internacional, publicado em 2018, afirma que são registrados mais de 100 crimes por dia no país com esta motivação.

O aniversário do texto constitucional, que marca o Dia da República na Índia, foi celebrado na capital Nova Delhi com um desfile militar. O presidente brasileiro Jair Bolsonaro (sem partido) foi um dos convidados de honra da comemoração. 

Origens - O sistema de castas vigora há mais de dois mil anos na Índia e é baseado em uma condição hereditária, passada de pai para filho. O casamento entre castas diferentes é proibido e a sociedade é dividida a partir da crença de que cada indivíduo se origina de uma parte diferente do deus Brahma, que é o criador do Universo segundo o hinduísmo, religião majoritária na Índia.

Os brâmanes teriam nascido da cabeça de Brahma; os xátrias, dos braços; os vaixás, das pernas; os sudras, dos pés; e os dalits, “sem casta”, teriam se originado da poeira sob os pés do criador. Essa condição destinaria cada pessoa a exercer uma função na sociedade – os brâmanes seriam sacerdotes ou intelectuais, enquanto que os dalits trabalhariam com lixo ou esgoto, por exemplo. 

Avanços e limites - A Constituição de 1950 proibiu que os dalits fossem considerados impuros ou intocáveis pelos integrantes das demais castas, rompendo com uma tradição milenar de segregação. Ainda assim, são comuns os ataques de membros de castas superiores a dalits que tentam acessar templos e espaços públicos na Índia.
A economista Srujana Bodapati, coordenadora do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social em Nova Delhi, lembra que a Constituição foi escrita dois anos após a independência indiana e é produto do interesse de diferentes setores: industriais, proprietários de terras, comerciantes e trabalhadores.

“As aspirações de milhões de massas trabalhadoras, mobilizadas contra os britânicos durante a luta pela liberdade, não podiam ser ignoradas. Esse reconhecimento se materializa em vários aspectos progressistas da Constituição indiana. Por exemplo, direito universal ao voto, abolição legal da discriminação e intocabilidade de castas, certos direitos dos trabalhadores para formar sindicatos e protestar”, enumera. Por isso, o feriado do Dia da República é tão comemorado no país.

Bodapati pondera que a Constituição não questiona as relações econômicas e de propriedade, ainda que considere o socialismo como um princípio orientador. “Os últimos 70 anos foram de luta para tornar os direitos constitucionais efetivos. Por exemplo, a Constituição prevê cotas para castas inferiores no serviço público, mas isso não é implementado como deveria”, analisa a pesquisadora. “Dentro dos limites da democracia liberal, o texto poderia ser aprimorado. Por exemplo, até hoje, o estupro conjugal não é reconhecido”, acrescenta.

“Embora a opressão de castas seja uma realidade, hoje certos segmentos oprimidos têm muito mais capacidade de vocalizar suas demandas, e alguns agora compartilham do poder do Estado”, completa Bodapati. Em 1997, a Índia elegeu um dalit, Kocheril Raman Narayanan, pela primeira vez como presidente. O atual primeiro-ministro Narendra Modi, anfitrião de Bolsonaro, também é oriundo de castas consideradas inferiores.

Papel de Gandhi - Líder dos movimentos de independência, Mahatma Gandhi tem um papel controverso na elaboração do texto constitucional. Enquanto a ala liderada pelo jurista dalit Babasaheb Ambedkar se posicionou pela abolição completa do sistema de castas, Gandhi adotava uma postura intermediária, que prevaleceu na Constituição.

Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a antropóloga Mariana Faiad Batista Alves relata que, após perder aquela queda de braço, Ambedkar se dedicou a um trabalho de conversão em massa de dalits: do hinduísmo – religião que, segundo ele, os discriminava – para o budismo.

“As propostas de Ambedkar eram absurdamente progressistas para a época. Naquele movimento mundial de independência, ele foi o único que se colocou, por exemplo, em defesa dos direitos das mulheres. E a ideia dele que menos vingou na Constituição foi a reforma do sistema de castas”, acrescenta Alves. “São milênios de repressão. O sistema de castas nunca foi formalmente abolido, e muito em função da resistência que Gandhi impôs.”

A não-abolição faz com que, até hoje, existam vilarejos rurais compostos somente por dalits –segundo a pesquisadora, são justamente os territórios mais isolados, com maior dificuldade de acesso a água.
Bodapati, por outro lado, afirma que Gandhi tinha suas razões para não defender a abolição completa do sistema de castas. 

“Ele e o Partido do Congresso sabiam que isso significaria que a maioria dos hindus deixaria de apoiar o movimento de libertação da Índia”, lembra. “Além disso, a abolição levaria ao desmantelamento do sistema de propriedades e a distribuição de terras em todo o país. O Congresso era o partido dos grandes proprietários e capitalistas, e eles não queriam fazer isso”.

A economista indiana analisa que as ideias de Gandhi sobre as castas evoluíram nos anos seguintes. “Muitas de suas ações e palavras podem ser interpretadas como demonstrações de que seu apoio ao sistema de castas enfraqueceu ou até desapareceu. Ele casou todos os filhos com outras castas, o que é contra o sistema”, observa.       
 
Ameaças - Srujana Bodapati acrescenta que, apesar de todas as limitações da Constituição de 1950, a esquerda indiana tem se preocupado em defendê-la nos últimos anos, em vez de propor um novo texto. O motivo é o avanço da extrema direita no país, comandada pelo primeiro-ministro Narendra Modi.

Um dos ataques mais recentes à Constituição, segundo a pesquisadora, foi a emenda à Lei de Cidadania. Aprovada em dezembro de 2019, a emenda prevê a concessão de status de refugiados a minorias religiosas dos países vizinhos Afeganistão, Bangladesh e Paquistão. O texto, no entanto, não contempla cidadãos muçulmanos perseguidos nesses países, por isso foi interpretada como perseguição religiosa por parte dos nacionalistas hindus que lideram o atual governo. Hoje, os muçulmanos são 15% da população indiana. Hinduístas representam 80%.

“A Índia vive momentos de protesto e agitação contra a emenda à Lei de Cidadania. Essa mudança fere a Constituição indiana, que afirma claramente que todas as religiões são iguais”, finaliza Bodapati.
Mariana Faiad Batista Alves concorda que o debate sobre o sistema de castas tem sido ofuscado pela repressão crescente aos muçulmanos no atual governo. A antropóloga enfatiza as consequências negativas da chamada Partilha, que dividiu o território indiano e resultou na criação do Paquistão em 1947.

“Milhões de pessoas foram dizimadas, e a violência entre hinduístas e muçulmanos só aumentou, porque nem todos os muçulmanos migraram da Índia. Alguns ficaram por razões financeiras, outros porque moravam ali há 700 anos”, lembra. 

O sistema de castas nunca foi formalmente abolido, e muito em função da resistência que Gandhi impôs.
Quanto à violência entre castas, a tese de doutorado da antropóloga cita dados da própria polícia indiana ao afirmar que um crime cometido contra dalits por um não dalit é registrado a cada 16 minutos na Índia -- o que equivale a 90 por dia. O texto também informa que apenas 10% dos crimes dessa natureza são reportados à polícia, conforme análise realizada pela escritora e ativista Arundhati Roy. 

“Geralmente, quando um dalit é agredido, ele apela à lei de proteção ao dalit, que está na Constituição. Hoje, crime against schedule caste [crime relacionado à casta] é um dos delitos com mais incidência no país”, observa. Alves relata que ainda hoje, na zona rural, são comuns os estupros de jovens dalits por homens de castas consideradas superiores. Como os vilarejos dalits estão localizados em regiões de difícil acesso, os crimes cometidos no interior do país raramente são notificados.
 
Edição: Rodrigo Chaga
https://www.brasildefato.com.br/2020/01/26/constituicao-da-india-completa-70-anos-sem-erradicar-a-violencia-do-sistema-de-castas

Texto III: 

As mulheres Dalit que lutam contra estupros, pobreza e preconceito na Índia

'Ninguém pode nos ajudar ou falar por nós. Sofremos mais violência sexual porque não temos nenhum poder', explicou há alguns anos uma mulher Dalit a uma pesquisadora


"Somos vítimas de violência porque somos mulheres, pobres e de casta inferior — tão desprezadas por todos", disse uma mulher Dalit à pesquisadora Jayshree Mangubhai há alguns anos. 


"Ninguém pode nos ajudar ou falar por nós. Sofremos mais violência sexual porque não temos nenhum poder".


Na semana passada, foi relatado que uma mulher Dalit de 19 anos foi estuprada e agredida por um grupo de homens de casta superior no Estado de Uttar Pradesh, Índia. 


A notícia jogou luz novamente sobre a vulnerabilidade de 80 milhões de mulheres Dalit à violência sexual no país. Elas, como os homens do mesmo grupo, estão na base do rígido e inflexível sistema de castas da Índia. No passado, os Dalit eram chamados de "intocáveis".

Essas mulheres, que representam cerca de 16% da população feminina da Índia, enfrentam um "fardo triplo" de preconceito de gênero, discriminação de casta e privação econômica. 


"A mulher Dalit pertence ao grupo mais oprimido do mundo", explica Suraj Yengde, autor do livro Caste Matters ("A casta importa"). "Ela é uma vítima das culturas, estruturas e instituições de opressão, tanto externa quanto internamente. Isso se manifesta na violência perpétua contra as mulheres Dalit."


As consequências do recente estupro e assassinato de uma mulher em Hathras, Uttar Pradesh, ocorreram seguindo um roteiro comum quando a vítima é uma mulher Dalit: a polícia demora para registrar uma queixa; as investigações ficam atrasadas; autoridades questionam se houve mesmo um estupro; e há insinuações de que o crime não teve a ver com a casta. 


Por fim, as autoridades parecem ser cúmplices dos perpetradores de violência das castas superiores. Até mesmo alguns meios de comunicação, com redações dominadas por jornalistas de castas superiores, questionam se a violência sexual deve ser associada à casta.


Em outras palavras, o Estado e partes da sociedade na Índia agem para minimizar ou apagar os vínculos entre a violência sexual e a hierarquia das castas.


Após a morte da jovem de 19 anos em Hathras na semana passada, o governo de Uttar Pradesh, comandado por um político de casta superior e do partido da situação, o BJP, cremou apressadamente a vítima no meio da noite. 


O governo local também impediu a imprensa e políticos de oposição de visitaram a aldeia e a família da vítima, levantando suspeitas de encobrimento. Em uma atitude sem precedentes, o governo contratou uma agência de relações públicas para divulgar sua narrativa de que este não foi um incidente de estupro.
 

Dez mulheres estupradas por dia. Estima-se que haja 80 milhões mulheres Dalit na Índia

Dez mulheres estupradas por dia

Várias mulheres e crianças Dalit com trajes típicos, aglomeradas em aparente protesto


Mulheres Dalit vivendo em áreas rurais são vítimas de violência sexual desde sempre. Nesses lugares, grande parte da terra, recursos e poder social permanece com castas médias e superiores. 


Apesar de uma lei de 1989 que tentou blindar atrocidades contra esta comunidade, a violência contra as mulheres Dalit não diminuiu. Elas continuam a ser perseguidas, abusadas, molestadas, estupradas e assassinadas impunemente.


Segundo dados oficiais, por dia, dez mulheres Dalit foram estupradas no ano passado. O Estado de Uttar Pradesh, ao norte, tem o maior número de casos de violência contra as mulheres, bem como o maior número de casos de violência sexual contra meninas. Três Estados — Uttar Pradesh, Bihar e Rajasthan — são responsáveis por mais da metade dos registros de atrocidades contra os dalits.


Em um estudo de 2006 com 500 mulheres Dalit em quatro Estados, 54% relataram já ter sido agredidas fisicamente; 46% assediadas sexualmente; 43% já enfrentaram violência doméstica; 23% foram estupradas; e 62% sofreram abuso verbal.

E as mulheres Dalit sofrem violência vinda de todas as castas — incluindo a sua própria. O Centro para Direitos dos Dalit analisou 100 incidentes de violência sexual contra mulheres e meninas desta casta em 16 distritos da Índia entre 2004 e 2013, descobrindo que estes foram cometidos por pessoas de 36 castas diferentes, incluindo os Dalit. 


A pesquisa mostrou também que 46% das vítimas tinham menos de 18 anos; e 85% menos de 30 anos.


Mulheres Dalit estão mais 'assertivas' em sua defesa

Em protesto, jovem com véu segura cartaz que diz, em inglês: 'A vida de mulheres Dalit importa'

Morte recente em Uttar Pradesh motivou protestos em todo o país; na imagem, jovem segura cartaz que diz 'A vida de mulheres Dalit importa'


Um ponto de virada na história da violência contra as Dalit foi em 2006, quando quatro membros de uma família desta casta — uma mulher, sua filha de 17 anos e dois filhos — foram brutalmente assassinados por homens de casta superior após um longo conflito por terra. 


A tragédia em um vilarejo remoto chamado Khairlanji, no Estado de Maharashtra, começou com as duas mulheres indo à polícia registrar uma queixa sobre a disputa de terra. 


"Este incidente horrível mexeu com a consciência dos Dalits e destacou seu sofrimento social e discriminação", disse a historiadora Uma Chakravarti.


As castas superiores têm sido abaladas pelo empoderamento da casta — e a isto reagem. No caso de Hathras, documentos sugerem que a família da vítima teve uma disputa de duas décadas com uma família de casta superior.


Em todo o país, as transformações sociais estão mandando meninas Dalit para a escola e estimulando as mulheres deste grupo a se fazerem ouvir. 


"Como nunca antes, uma liderança sólida de mulheres Dalit está articulando suas próprias queixas e liderando a luta sem a intervenção de ninguém", avalia Yengde.


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