Profª de Filosofia e Sociologia da Rede Estadual de Goiás desde 2010.
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[3ª Série]: O trabalho e suas contradições

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

 Trabalho, Realização e consumo

O trabalho sempre fez parte da vida dos seres humanos. Foi através dele que as civilizações conseguiram se desenvolver e alcançar o nível atual. O trabalho é qualquer atividade física ou intelectual, realizada pelo ser humano, cujo objetivo é fazer, transformar ou obter algo para realização pessoal e desenvolvimento econômico.

Nas linhas abaixo teremos uma breve reflexão sobre:
    Trabalho
    O Trabalho na antiguidade
    O Trabalho na economia de mercado
    Mercado Consumidor e Realização
    Felicidade maquiada - Consumismo

Trabalho

História do trabalho

O que é trabalho?
O conceito de trabalho é formado por elemento teológico que teve influência no ocidente greco-romano-helenista chegando até os nossos dias. Como mostra o Livro do Gênesis (3, 17); depois de pecar o homem foi amaldiçoado, ficando condenado a extrair seu sustento do suor, do cansaço, do labor de seu trabalho: “comederes maledicta terra in opere tuo in laboribus comedes eam cunctis diebus vitae tuae”.

A concepção de trabalho sempre esteve predominantemente ligada a uma visão negativa. Na Bíblia, Adão e Eva vivem felizes até que o pecado provoca sua expulsão do Paraíso e a condenação ao trabalho com o “suor do seu rosto”. A Eva coube também o “trabalho” do parto.

O termo trabalho é originário do latim tripalium, que designa instrumento de tortura. Por extensão, significa aquilo que fatiga ou provoca dor.  Na etimologia da palavra trabalho, ou tripalium), do Latim , um instrumento romano de tortura, espécie de tripé formado por três estacas cravadas no chão, onde eram supliciados os escravos. " tri" (três) e " palus" (pau) - literalmente, "três paus". Daí o verbo tripaliare (ou trepaliare), que significava, inicialmente, torturar alguém no tripalium.

Será que trabalhar é uma condição essencial ao homem? Ou o homem só trabalha por necessidade e pela ameaça de extinção se não trabalhar?

O Trabalho na antiguidade

Dizia Aristóteles, sobre o trabalho: “Todos aqueles que nada tem de melhor para nos oferecer que o uso de seu corpo e dos seus membros são condenados pela natureza à escravidão. É melhor para eles servir que serem abandonados a si próprios. Numa Palavra, é naturalmente escravo quem tem tão pouca alma e tão poucos meios que deve resolver-se a depender de outrem […] O uso dos escravos e dos animais é aproximadamente o mesmo.”(RIBEIRO, L. p.196).

Na cultura grega, cabiam aos cidadãos a organização e o comando da polis. As funções dos escravos eram restritas à atividades inferior de transformação da natureza em um bem determinado pelas camadas superiores.

Em Roma, permaneceu a divisão entre a arte de governar e o trabalho braçal. Sendo o império fundado na escravidão, o trabalho braçal era visto como degradante e destinados aos povos dominados, tidos como seres inferiores.

O Trabalho na economia de mercado

No capitalismo o trabalho se transforma em valor de troca onde o homem vende sua força de trabalho para realizar a reprodução social – consumir e produzir. É um trabalho alienado onde o trabalhador não se reconhece naquilo que produz, não domina todo o processo de produção. O trabalhador não é o dono dos meios de produção e de trabalho, estes pertencem ao capitalista, que baseia-se no lucro e na mais-valia, ou seja, no excedente do trabalho humano, que não é repassado ao trabalhador.
Ocorreu a separação entre o trabalhador e a propriedade dos meios de produção. Desse modo podemos afirmar que a essência do sistema capitalista encontra-se na separação entre o capital e o trabalho.

No século XVII, Pascal inventa a primeira máquina de calcular; Torricelli constrói o barômetro; aparece o tear mecânico. A máquina exerce tal fascínio sobre a mentalidade do homem moderno que Descartes explica o comportamento dos animais como se fossem máquinas, e vale-se do mecanismo do relógio para explicar o modelo característico do universo (Deus seria o grande relojoeiro!).

Para Kant, o homem é o único animal voltado ao trabalho. É necessária muita preparação para conseguir desfrutar do que é necessário à sua conservação. Mesmo que todas as condições existissem para que não houvesse necessidade do homem trabalhar, este precisa de ocupações, ainda que lhe sejam penosas. A ociosidade pode ser ainda um maior tormento para os homens.

Michel Foucault tem outra perspectiva: em todos os momentos da história, a humanidade só trabalha perante a ameaça de morte, qualquer população que não encontre novos recursos está voltada à extinção e, inversamente, à medida que os homens se multiplicam, empreendem trabalhos mais numerosos, mais difíceis e menos fecundos. O trabalho deve crescer de intensidade quanto maior for a ameaça de morte e, por todos os meios, terá de se tornar mais rentável, quanto menos acesso as subsistências existirem.

Para Marx, o trabalho é o prolongamento da atividade natural do homem, mais tarde conclui que a força de trabalho é uma mercadoria e que, para viver, o proletário vende ao capital.

Segundo Marx, o trabalho denuncia uma exploração econômica e uma situação em que o homem não se revê no seu trabalho mecanizado e repetitivo, ou seja, não obtém a realização profissional que deveria obter, referindo-se a uma essência do homem que seria suposto o trabalho completar.

Mercado Consumidor e Realização

É possível alcançar a realização na sociedade consumindo?
Aristóteles afirmava que tudo o que o homem precisava para ter uma vida cômoda já havia sido descoberto. Encontrava-se materialmente realizado e só lhe restava dedicar-se à elevação do espírito.
É comum ouvirmos que a realização significa “vencer na vida”. E esse “vencer” é basicamente acumular bens materiais e ostentar poder, ou seja, só é “vencedor” aquele que possui bens materiais de ultima moda e que frequentam lugares badalados. Assim, na economia de mercado o trabalhador só se realiza consumindo.


A sociedade de consumo se caracteriza por ser organizada predominantemente pelas relações de consumo e valores associados, condicionando a produção de bens e serviços. O consumidor, tem como ideal de vida preponderante sua potência de consumo, e se realiza consumindo. O sucesso social e a felicidade pessoal são identificados pelo nível de consumo que o indivíduo tem. O “somos o que temos” é elevado à condição de ideal social: Se não temos, não somos. O potencial de consumo determina o grau de inclusão ou de exclusão social, de felicidade ou de infelicidade. A sociedade do espetáculo (Debord, 1997), que decorre desse equacionamento, faz da manipulação da aparência o trampolim social para o ter: o excluído sonha com ser celebridade, e quem já é não vive sem ser, para não perder o status. É a realização convicta do somos o que consumimos. Subverte-se a equação shakespeariana – “ser ou não ser”, transformando a questão existencial vital em ter ou não ser, isto é, consumir ou não ser, associado a um jogo de espelhos de aparentar ser.

Antigamente o objeto de comércio era o intermediário na relação entre seres humanos. O esquema da relação era pessoa-mercadoria-pessoa. Atualmente esse esquema foi pervertido para mercadoria-pessoa-mercadoria. Se chego à uma festa de Mercedes meu valor é superior ao de quem vai em carro popular. Isso vale para o terno que uso ou para o anel que trago no dedo. Note que é o produto, revestido de "magia", que me imprime valor, aumentando a minha cotação "no mercado das relações sociais". Se Descartes estivesse vivo hoje declararia: "Consumo, logo existo". Para os sacerdotes do mercado, fora do mercado não há salvação.

Este consumismo produz a barbárie, em quem as relações sociais se transformam em um ringue de boxe – vence o mais forte ou o mais esperto.
Para a maioria da população, a possibilidade de vencer de acordo com as regras do mercado consumidor é uma ilusão construída e incentivada pela sociedade de consumo, dita agora de globalizada.

Tanto para o pensador polonês Adam Schaff e para Aristóteles, o homem já conquistou tudo o que precisa para ser feliz. Mas, porém, a pergunta do poeta japonês Toshitsugu Yagi nos revela o outro lado da mesma moeda: “Será que os trabalhadores assalariados do Japão de hoje não vivem uma vida pior do que a dos escravos antigos?
Agora, então vamos aplicar esta pergunta ao Brasil, e vejamos a resposta do sociólogo Herbert de Souza:

“O Brasil tem uma indústria com duas caras – e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de trabalho. Sua classe media espreme-se entre a ideologia do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e respeita o poder de outro. Os senhores viraram empresários, mas continuam a viver em novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores, mas continuam morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre depois do serviço”. (ARANHA, p. 96)

Na sociedade moderna, o trabalho, da mesma forma que é realização, ele também nos rouba nossa liberdade e a nossa vontade própria. Confinados, nos transforma, alienando o indivíduo. “...ao mesmo tempo que o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem”. (Octavio Paz)

O conflito entre trabalho e realização dá-se ao fato do homem ter organizado a sociedade de tal modo que, para a maioria dos indivíduos, o trabalho que fazem não são projetos seus, como também não são seus os frutos dos esforços. Mas por que trabalho e realização perecem viver um eterno conflito? Se a realização do homem se encontra no trabalho, por que ele necessita ser educado para o trabalho? Por que é necessário convencê-lo muitas vezes até pela força a necessidade do trabalho?

Adam Smith, distingue o valor de uso do valor de troca. O primeiro designa a utilidade do produto ou a satisfação que se encontra no seu consumo ou na sua utilização. O segundo refere-se ao destino comercial da mercadoria enquanto destinada a ser trocada num mercado. É o valor de troca que dita o preço das mercadorias. Numa perspectiva marxista, o trabalho tem sempre um valor inferior àquele pelo qual é remunerado.

Consumismo: felicidade maquiada

A Propaganda vende felicidade ou infelicidade?
Através de meios de comunicação como rádio, televisão, jornais, revistas, outdoors, internet, entre outros, a mídia tem realizado o seu trabalho de convencer as pessoas a consumir. Para isso utiliza-se de artistas famosos que incitam o público a comprar os produtos. O homem cresce vivenciando esse mundo manipulado pela mídia, e acreditando que a felicidade possa ser encontrada quando se adquire determinada marca de roupa, calçado, carro, jóia, celular, entre outros. Divulga-se a ideia da felicidade comprada. O papel da propaganda é nos deixar infelizes com que temos e criar o desejo de possuir o novo para ser feliz.

O indivíduo que cresce nesse ambiente consumista dificilmente aprende valores subjetivos que o edificam como ser pensante e emotivo. Decorre disso a dificuldade de se preencher o vazio interior, o que é buscado no consumo de bens concretos e superficiais. Tais bens são dispensáveis à felicidade? Difícil saber. Eles trazem a realização pessoal buscada pelo homem?

Jonh Locke, disse que, ao vivermos em sociedade, somos de certa forma obrigados a nos moldar a seus contornos. Vivemos em uma sociedade capitalista, uma sociedade em que o consumo desenfreado parece ser a cada dia mais comum, seguindo uma lógica como: "compro, logo existo". As pessoas perderam sua individualidade, são agora simplesmente consumidores.

Agora, na era da informática, esse consumo foi até facilitado, por meio da internet. No cotidiano, o consumismo é estimulado e vendido como felicidade. 

Assista o vídeo: O melhor que a vida deve ser.

 

Referências: SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Dia a dia educação. Curitiba: SEEDPR, 2021. Disponível em: http://www.sociologia.seed.pr.gov.br. Acesso em: 23 ago. 2022.


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