Profª de Filosofia e Sociologia da Rede Estadual de Goiás desde 2010.
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[2ª Série] Filosofia: O Mito da Caverna

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

O Mito da Caverna conforme descrito no Livro VII de A República

Trata-se de um trecho do Livro VII de A República: no diálogo, as falas na primeira pessoa são de Sócrates, e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, são os irmãos mais novos de Platão.


- Agora - continuei - representa da seguinte forma o estado de nossa natuureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens em morada subterrânea, em forma de caverna, que tenha em toda a largura uma entrada aberta para a luz; estes homens aí se encontram desde a infância, com as pernas e o pescoço acorrrentados, de sorte que não podem mexer-se nem ver alhures exceto diante deles, pois a corrente os impede de virar a cabeça; a luz lhes vêm de um fogo aceso sobre uma eminência, ao longe atrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa um caminho elevado; imagina que, ao longo deste caminho, ergue-se um pequeno muro, semelhante aos tabiques que os exibidores de fantoches erigem à frente deles e por cima dos quais exibem as suas maravilhas.

- Vejo isso - disse ele.

- Figura, agora, ao longo deste pequeno muro homens a transportar objetos de todo gênero, que ultrapassam o muro, bem como estatuetas de homens e animais de pedra, de madeira e de toda espécie de matéria; naturalmente, entre estes portadores, uns falam e outros se calam.

- Eis - exclamou - um estranho quadro e estranhos prisioneirosl

- Eles se nos assemelham - repliquei - mas, primeiro, pensas que em tal situação jamais hajam visto algo de si próprios e de seus vizinhos, afora as sombras projetadas pelo fogo sobre a parede da caverna que está à sua frente?

- E como poderiam? - observou - se são forçados a quedar-se a vida toda com a cabeça imóvel?

E com os objetos que desfilam, não acontece o mesmo? - Incontestavelmente.

- Se, portanto, conseguissem conversar entre si não julgas que tomariam por objetos reais as sombras que avistassem? - Necessariamente.

- Considera agora o que lhes sobrevirá naturalmente se forem libertos das cadeias e curados da ignorância. Que se separe um desses prisioneiros, que o forcem a levantar-se imediatamente, a volver o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos à luz: ao efetuar todos esses movimentos sofrerá, e o ofuscamento o impedirá de distinguir os objetos cuja sombra enxergava há pouco. O que achas, pois, que ele responderá se alguém lhe vier dizer que tudo quanto vira até então eram vãos fantasmas, mas que presentemente, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê de maneira mais justa? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas passantes, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é isso? Não crês que ficará embaraçado e que as sombras que via há pouco lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que ora lhe são mostrados?

- Muito mais verdadeiras - reconheceu ele.

- Imagina ainda que este homem torne a descer à caverna e vá sentar-se em seu antigo lugar: não terá ele os olhos cegados pelas trevas, ao vir subitamente do pleno sol?

- Seguramente sim - disse ele.

- E se, para julgar estas sombras, tiver de entrar de novo em competição, com os cativos que não abandonaram as correntes, no momento em que ainda está com a vista confusa e antes que seus olhos se tenham reacostumado (e o hábito à obscuridade exigirá ainda bastante tempo), não provocará riso à própria custa e não dirão eles que, tendo ido para cima, voltou com a vista arruinada, de sorte que não vale mesmo a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar soltá-Ios e conduzi-los ao alto, e conseguissem eles pegá-lo e matá-Io, não o matarão?

- Sem dúvida alguma - respondeu.

- Agora, meu caro Glauco - continuei - cumpre aplicar ponto por ponto esta imagem ao que dissemos mais acima, comparar o mundo que a vista nos revela à morada da prisão e a luz do fogo que a ilumina ao poder do sol. No que se refere à subida à região superior e à contemplação de seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma ao lugar inteligível, não te enganarás sobre o meu pensamento, posto que também desejas conhecê-Io. Deus sabe se ele é verdadeiro. Quanto a mim, tal é minha opinião: no mundo inteligível, a idéia do bem é percebida por último e a custo, mas não se pode percebê-Ia sem concluir que é a causa de tudo quanto há de direito e belo em todas as coisas; que ela engendrou, no mundo visível, a luz e o soberano da luz; que, no mundo inteligível, ela própria é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e que é preciso vê-Ia para conduzir-se com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Partilho de tua opinião - replicou - na medida em que posso.

(Platão, A República, 2. ed., São Paulo, Difel, 1973, p. 105 a 109.)

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