Profª de Filosofia e Sociologia da Rede Estadual de Goiás desde 2010.
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[2ª Série] Filosofia: Sócrates

domingo, 12 de fevereiro de 2012


Sócrates

A data do nascimento de Sócrates é determinada pela idade que tinha à data do processo e da condenação. Nessa data (399) tinha setenta anos (Plat., Ap., 175; Crit., 52 e); devia ter nascido portanto em 470 ou nos primeiros meses de 469 a.C..

O pai, Sofronisco, era escultor; a mãe, Fenarete, parteira: ele próprio comparou depois a sua obra de mestre à arte da mãe (Teet., 149 a). Completou em Atenas a sua educação juvenil, estudou provavelmente geometria e astronomia; e se não foi aluno de Anaxágoras (como queria um testemunho antigo), conheceu certamente o escrito deste filósofo, como se depreende do Fédon platónico (97 c). Só se ausentou de Atenas por três vezes para cumprir os seus deveres de soldado e participou nas batalhas de Potideia, Délios e Anfípolis. No Banquete de Platão, Alcibíades fala de Sócrates na guerra como de um homem insensível à fadiga e ao frio, corajoso, modesto e senhor de si mesmo no próprio momento em que o exército era derrotado.

Sócrates manteve-se afastado da vida política. A sua vocação, a tarefa a que se dedicou e a que se manteve fiel até ao final, declarando ao próprio tribunal que se preparava para o condenar, que não a abandonaria em caso algum, foi a filosofia.

Mas ele entende a investigação filosófica como um exame incessante de si próprio e dos outros; a este exame dedicou todo o seu tempo, sem nenhum ensinamento regular. Por esta tarefa, descurou toda a atividade prática e viveu pobremente com sua mulher Xantipa e os filhos. Todavia, a sua figura não tem nenhum dos traços convencionais de que a tradição se serviu para delinear o carácter de outros sábios, por exemplo,  de Anaxágoras ou de Demócrito.

A sua personalidade tinha qualquer coisa de estranho (àtopon) e de inquietante que não escapava àqueles que dele se aproximaram e o descreveram. A sua própria aparência física chocava o ideal helênico da alma sábia num corpo belo e harmonioso: parecia um Sileno e isto estava em estridente contraste com o seu carácter moral e o domínio de si mesmo que conservava em todas as circunstâncias (Banq., 215, 221). Pelo aspecto inquietante da sua personalidade, foi comparado por Platão à tremelga do mar que entorpece quem a toca: do mesmo modo provocava a dúvida e a inquietação no ânimo daqueles que dele se aproximavam (Mén., 80).

Todavia, este homem que dedicou à filosofia a existência inteira e morreu por ela, nada escreveu. É indubitavelmente o maior paradoxo da filosofia grega. Não pode tratar-se dum fato casual. Se Sócrates nada escreveu, foi porque defende que a pesquisa filosófica, tal como ele a entendia e praticava, não podia ser levada por diante ou continuada depois dele, por um escrito. [...] Para Sócrates que entende o filosofar como o exame incessante de si e dos outros, nenhum escrito pode suscitar e dirigir o filosofar. O escrito pode comunicar uma doutrina, não estimular a pesquisa. Se Sócrates renunciou a escrever, isto foi devido ainda à sua própria atitude filosófica e faz parte essencial de tal atitude.


O “Conhece-te a ti mesmo e a ironia socrática”

"Sócrates chamou a filosofia do céu à terra," Estas palavras de Cícero (Tusc., V, 4, 10) exprimem exatamente o caráter da investigação socrática. Ela tem por objeto exclusivamente o homem e o seu mundo; isto é, a comunidade em que vive.

A sua missão é a de promover no homem a investigação em torno do homem. Esta investigação deve tender a colocar o homem, cada homem individual, a claro consigo mesmo, a levá-lo ao reconhecimento dos seus limites e a torná-lo justo, isto é solidário com os outros. Por isso Sócrates fez sua a divisa délfica "conhece-te a ti mesmo" e fez do filosofar um exame incessante de si próprio e dos outros: de si próprio em relação aos outros, dos outros em relação a si próprio.

A primeira condição deste exame é o reconhecimento da própria ignorância. Quando Sócrates conheceu a resposta do oráculo que o proclamava o homem mais sábio de todos, surpreendido andou a interrogar os que pareciam sábios e deu-se conta de que a sabedoria deles era nula. Compreendeu então o significado do oráculo: nenhum dos homens sabe verdadeiramente nada, mas sábio apenas quem sabe que não sabe, não quem se ilude com saber e ignora assim até a sua própria ignorância.            

Na realidade só quem sabe que não sabe procurará saber, enquanto os que crêem estar na posse dum saber fictício não são capazes da investigação, não se preocupam consigo mesmos e permanecem irremediávelmente afastados da verdade e da virtude.

Este princípio socrático representa a antítese nítida da sofística. Contra os sofistas que faziam profissão de sabedoria e pretendiam ensiná-la aos outros, Sócrates fez profissão de ignorância: o saber dos sofistas é um não-saber, um saber fictício privado de verdade que dá apenas presunção e jactância e impede de assumir a atitude submissa da investigação.

A ironia é o meio de descobrir a nulidade do ar fitício, de pôr a nu a ignorância fundamental que o homem oculta até a si próprio com os ouropéis de um saber feito de palavras e de vazio.A ironia é a arma de Sócrates contra a vaidade do ignorante que não sabe que é tal e por isso se recusa a examinar-se a si mesmo e a reconhecer os limites próprios. Esta é a sacudidela que o torpedo tremelga marinho comunica a quem a toca e sacode pois o homem do torpor e lhe comunica a dúvida que o encaminha para a busca de si mesmo. Mas precisamente por isso é também uma libertação.

A Maiêutica

Sócrates não se propõe portanto comunicar uma doutrina ou complexo de doutrinas. Ele não ensina nada: comunica apenas o estímulo e o interesse pela pesquisa. Em tal sentido compara, no Teeteto platônico, a sua arte à da mãe, a parteira Fenarete. A sua arte consiste essencialmente em averiguar por todos os meios se o seu interlocutor tem de parir algo fantástico e falso ou genuíno e verdadeiro. Ele declara-se estéril de sabedoria.
[...] E ele não tem nenhuma descoberta a ensinar aos  outros e não pode fazer outra coisa senão ajudá-los no seu parto intelectual. E os outros, aqueles que dele se aproximam, a princípio parecem completamente ignorantes, mas depois a sua pesquisa torna-se fecunda, sem que todavia aprendam nada dele.

Esta arte maiêutica não é na realidade senão a arte da pesquisa em comum. O homem não pode por si só ver claro em si próprio. A pesquisa que o concerne não pode começar e acabar no recinto fechado da sua individualidade: pelo contrário só pode ser o fruto de um dialogar continuo com os outros, como consigo mesmo.


Texto adaptado de: ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Vol. I. 2ª edição. Editorial Presença. Texto digitalizado.

2 comentários:

ludmara alves lopes disse...

professora tentei escrever mais nao consegui queria te agradecer pelas aulas de filosofia e que sinto saudades das aulas de sociologia. bejks de Ludmara 2ºa

Karoline Rodrigues de Melo disse...

Oi Ludmara! Consegui ver as suas duas mensagens. Fico feliz em saber que de alguma forma eu consigo agradar. Também sinto saudades das aulas de Sociologia. Mas este ano tenho novos desafios, estou aprendendo coisas novas. Vocês estão tendo a oportunidade de aprender com um professor mais experiente e que também tem muito a ensiná-los. Aproveitem!
Um abraço!

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